terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Lar

-Mas eu não quero ir, vô! - disse a pequena balançando os cabelos escuros.
-Ora, querida, vai ser melhor. A casa vai ser nossa, a gente não vai mais precisar pagar aluguel.
-Mas, vô, a minha casa é aqui! Tem grama!
-Lá vai ter grama também.
-Aqui é cheio de árvores e tem passarinho nelas.
-Lá vai ter também, vários deles.
-É?
-É, querida.
-Hummm- a pequena ficou pensativa- Mas aqui é meu lar!
O avô alisou o bigode vasto e grisalho.
-Minha querida, nosso lar é onde está o nosso coração.
A neta sorriu.
-Ah tá, então eu vou. Porque meu coração tá onde tu tá, vô.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

E aí

"Ei, baby" ele disse saindo do banho. O cabelo ainda molhado. O rosto fresco da água gelada do chuveiro. Na porta do quarto, balançou os fios louros pra trás e me lançou um sorriso de canto.
Me contive para não levantar da cama e enchê-lo de beijos. Sorri e me limitei ao um simples "oi, cara".
Aí ele ficou ali parado, me olhando e confesso que achei isso a maior maldade e a coisa mais querida do mundo ao mesmo tempo.
Vem aqui!, eu pensei desesperada. E ao mesmo tempo não queria que ele se mexesse. O quão adorável ele estava ali parado, na minha frente, eu nunca vou achar palavras para descrever exatamente.
E enquanto eu ficava ali naquela luta interna ele me esticou a mão. Glória!  E aí eu fui até ele.

E aí eu me joguei nos braços dele.
-E aí, cara.
-E aí, baby.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Algodão

A gata branca desfilava pelo muro alto e velho do casarão mais antigo da cidade. Era bonita a bichana. Pelo bem alvinho, olho bem claro. Parecia até amarelo, dependendo o jeito que batia o sol. Os bigodes finos e longos afastavam-se para mostrar dentinhos afiados e uma língua rosada e áspera, feito lixa nova.
Era bonitinha a gata branca do vizinho. Era bonitinho vê-la desfilar pelo muro alto do casarão. Ver as patinhas de algodão dançarem sobre os musgos do muro. Ela dava um ar limpo ao lugar. Aquela bolinha de pelos brancos parecia aliviar meus olhos das coisas imundas que eram obrigados a ver. 
A gata branca costumava desfilar pelo muro alto e velho do casarão toda tarde porque gostava de se exibir. Porém, mal sabia ela, que enquanto passava, aproveitava para acalmar meu coração. 

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Válido

Aquelas prateleiras de madeira sempre lhe chamaram. Feitas de madeira muito escura sustevam o peso de muitas histórias. Páginas e páginas de vidas. Vivida ou apenas inventadas. Ela amava aquelas prateleiras. Aqueles livros. O cheiro daquela sala antiga, gasta pelo tempo.
Sentou-se na poltrona vermelha, de veludo gasto e ficou a recordar. Tinha vivido, lido e relido tanto. As costas arqueadas e os olhos cansados eram vestígos disso. O sorriso tranquilo e alma leve eram a certeza disso.
Certeza de que aquelas praleteiras de madeira escura valeram a pena, que as histórias que elas guardam valem a pena. Que a vida dela, apesar de muitos discordarem, valia a pena.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Lá vai a Valentina

O Sol acordou Valentina exatamente daquele jeito que só ele sabe fazer (e ela adora). Devagar, com graça e delicadeza. Anunciando devagarzinho, "ei garota, hora de sair da cama".
Aí lá vai a Valentina, se acostumando que é hora de despertar, trocar a roupa de casa por roupa de rua. Trocar a cara amassada por um sorriso. Por alguns "bom dia".
Aí lá vai a Valentina, ouvir os pássaros, ouvir as gentes, fazer o que pedem, fazer o que ela considera necessário, fazer nada, fazer o que gosta.
Aí lá vai a Valentina, achar que o quarto tá muito abafado, abrir a janela, ficar com frio, se enrolar em um edredom, em uma lembrança, em um moletom.
Aí lá foi a Valentina. Caiu no sono. Não sonhou com nada. Mas foi acordada pelo Sol.
Daquele jeito que só ele sabe fazer. Devagar e delicado.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Leve

Tinha no ar aquele cheiro de carne gorda assando, que fazia Rodrigo lamber a boca e querer morder os próprios lábios. Faltava pouco pra uma da tarde e pro churrasco do seu Antônio ficar pronto.  Enquanto Rodrigo esticava as pernas embaixo do velho salgueiro, viu Mariana saindo da casa. De vestido branco de renda, os cabelos bem escuros presos em uma trança longa.
Acenou pra ela. A moça acenou de volta, riu e correu ao encontro dele.
-Que fome! Ainda bem que teu pai me disse que não falta muito pra carne ficar pronta – veio logo dizendo.
Rodrigo estendeu-lhe a mão e ela se jogou na grama, ao seu lado. Os dois ficaram ali, ouvindo os passarinhos, vendo a grama a favor do vento, sentindo o cheiro da carne quase pronta.
-Vou sentir tua falta- disse Rodrigo depois de um bom tempo.
Mariana sorriu.
-Mesmo se eu continuar aqui?
Rodrigo abriu e fechou a boca umas três vezes. Que foi que a guria tinha dito?
-Eu não vou embora, Rodrigo. Quer dizer, teu pai e tua mãe me convidaram pra ficar mais. Eu aceitei. Só se tu te incomoda e ...
Rodrigo puxou Mariana pra si e lhe deu o abraço mais apertado de que se recordava ter dado a alguém. Segurou Marina pela cintura até lhe faltar forças nos braços. Só a soltou quando teve a sensação que poderia quebrá-la.
-Será muito bem-vinda – disse ele por fim.
Mariana abriu seu sorriso de pérola.
-Obrigada, é bom saber. Agora vamos, teu pai tá nos chamando lá da varanda.- Rodrigo continuou onde estava, olhando pra ela- Ligeiro, antes que a gente tenha que disputar os ossos com o Pelego.
Mariana afagou as orelhas do cachorro que estava em volta dos seus pés há um tempo. Levantou-se e saiu.  Leve com seu vestido de renda branca.
Leve como o vento.

sábado, 19 de outubro de 2013

Doce vida

Os quatro primos (ou irmãos, dependendo a perspectiva) sentaram-se no sofá. Encheram a sala. Os pés sem tocar o chão balançavam tamanha era a expectativa.
Uma colher para cada um. Antônio pegou a de chocolate. Rodrigo a de merengue. Pedro ficou com a de creminho amarelo que ele amava tanto. E Sebastião com a que tinha uma mistura de Creme Amarelo Favorito de Pedro e chocolate.
Ajeitaram-se no sofá. Fiquem  bem acomodados se não vai fazer mal, aconselhou a vó. Obedeceram. Não se deve teimar com vós, ainda mais quando o assunto envolve rapa de doce.
Finalmente podiam comer. Provaram. Lambuzaram. Antônio ficou com chocolate na bochecha. Pedro e Rodrigo ficaram com os narizes sujos. Sebastião tinha algo na testa, na blusa, e ao redor dos lábios. A vó começou a se perguntar se Sebastião teria conseguido realmente comer alguma coisa.
Agora lavem as mãos, estão grudentas e o sofá é novo, disse a vó.
-Depois tem mais doce?- perguntou um deles. Era difícil saber qual, eram tão parecidos, e sujos como estavam só complicava a identificação.
-Vai sim
-Então por que lavar a mão?- perguntou outro
-Porque sim - devolveu a vó
-Tá! - responderam os quatro.
Porque não se deve teimar com vós. Afinal, elas sabem mais de doces (e da vida) do que nós, mortais.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Amasso

Finalmente a luz estava acesa e eu vi teu rosto. Te vi rindo, todo amassado. Cabelo, cara, camisa, calça. Amassado e lindo. Eu teria corrido pra te abraçar, mas tu, graças a Deus!, foi mais rápido e me pegou nos teu braços.
Que bom receber teu abraço amanhecido, assim, amassado, como teu cabelo, tua cara, tua camisa e tua calça.
Que bom amassar meu coração contra o teu.
Que pena precisar te soltar.
Mas, tudo bem, já que toda vez que te solto é pra ser puxada de volta por ti. Pra ti.
Pra poder amassar o meu coração contra o teu.

domingo, 22 de setembro de 2013

Nada

Vicente pegou o violão e passou os dedos pelas curvas do instrumento, lembrando-se das curvas de Valentina. Da cintura, das pernas, dos cabelos, dos lábios.
Passou os dedos pelas cordas, distraidamente. Sem saber o que fazia, se devia, se podia.
O tempo deu a sensação de voar e parar, enquanto Vicente lembrava, sentia saudades, sofria, tocava, doía
Depois silêncio. Depois nada. Depois um cravo em cima da mesa. Depois por onde anda Valentina? Depois nada.
Nada.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Um cravo para uma rosa

Valentina jogou as chaves em cima da mesinha de madeira, ao lado da porta. Arremessou o casaco preto em cima do sofá e foi correndo para a cozinha. Precisava de um café. Bem quente. Bem forte. Bem sem açúcar.
Ao chegar na soleira da porta congelou. Ali, em cima da mesa de jantar, um botão de cravo repousava na mesa. Junto dele, um bilhete azul escuro. Valentina se aproximou. Pegou a flor. Pegou o pedacinho de papel.
Em prata, apenas cinco palavras: Te vi passar ontem, pequena
Valentina sorriu. Já sabia o remetente do presente.
Vicente!

domingo, 8 de setembro de 2013

Amargo

Se eu pudesse te serviria um chimarrão entupido, porque seria a única vingança que seria capaz. Mas, o melhor mesmo é nem te ver. Não te ouvir. Correr quando eu sei que posso te encontrar. Te servir um chimarrão entupido é me importar demais. É gastar tempo tentando errar em algo que sou muito boa. É gastar vida contigo. E eu não quero mais gastar vida contigo. Tu já me ocupou demais, me atrapalhou demais. Me trancou mais que mate entupido.
Chega de ti. Querer vingança é querer mais do que tu merece. É te querer e eu não te quero mais.
Nunca mais.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Mais uma vez

Tem algumas saudades que não dá para matar em poucos minutos, mas é o que se tem. Hoje Vicente viu Valentina. Ela estava abraçada em um livro e caminhava apressada, louca para chegar em casa, louca pra sair do meio daquela gente toda. Ele estava distraído, em uma mesa daquele café que os dois adoram, ou adoravam.
Vicente pensou em chamá-la, mas ela parecia estar nervosa e desconfortável. Ela não parecia disposta  a conversar. Então, ele desistiu e deixou ela passar.
Vicente deixou Valentina passar. Mais uma vez.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Primeiro amor de Valentina

Valentina tomou um bom gole de susto ao abrir o jornal. Ali estava o seu primeiro amor. Lindo em preto e branco. Sorrindo para ela.  Há quanto tempo que não se viam? Ela não fazia ideia. Sorriu de volta para fotografia. Olhou-a bem. Ele parecia o mesmo, só que mais alto. Com o mesmo cabelo para o lado, que parecia meio bobo quando os dois eram pequenos, mas que agora ficava perfeito nele. Ele ainda tinha aquele sorriso de quem ia aprontar alguma coisa. Os olhos bem espertos e com um brilho que nem a tinta opaca, do jornal meio furreca, conseguia apagar.
Ele era o mesmo guri. O mundo dos adultos não o mudara. Não o ferira, nem arranhara. Era bom saber disso.
Valentina fechou o jornal e pegou a caneca de café que já tinha esfriado. Esperando que ela o bebesse, esperando, pacientemente, que ela retornasse de um passado cheio de lembranças quentes e saborosas, como cada gole daquele café.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Perto do salgueiro

O Sol amornava a pele de Mariana. Ela decidira que hoje era o dia perfeito para se jogar perto do velho salgueiro.
Rodrigo a viu ali. Os cabelos bem pretos espalhados ao redor do rosto. A boca bem vermelha, entreaberta. Sorriu. Tentou se aproximar sem fazer alarde, mas grama e botas quando se encontram não sabem fazer silêncio.
Mariana ouviu Rodrigo chegando. Manteve os olhos fechados, mas não pode deixar de sorrir.
-Vem lagartear comigo, Rodrigo - convidou ela
-Não posso, tenho que ajudar o pai- respondeu Rodrigo.
A vontade dele era se jogar ali na grama, ali com Mariana. Suspirou, pirragueou.
-Vim aqui só porque a mãe tá te chamando pro chimarrão. Ela disse que tem bolo de milho também, se tu quiser.
Mariana continuava de olhos fechados e sorriso no rosto.
-Uhum. Já vou.
As mãos dela coçaram. Era melhor ignorar aquela vontade de puxar Rodrigo pelo braço, de pedir que ficasse ali. Com ela. Abriu os olhos. Olhou Rodrigo. Deixou o sorriso se alargar.
-Faço um sagu pra ti e a gente come de tardezinha, aqui no salgueiro, que tal?
-Combinado - ele respondeu e saiu andando.
Segurando a vontade de ficar ali com ela. Mariana fechou os olhos. Sentindo o sol aquecer sua bochecha. Esperando logo que a tardinha chegasse. E trouxesse Rodrigo com ela.

sábado, 24 de agosto de 2013

No jardim

Os copos de leite estavam enfileirados no jardim de Milena. Rodrigo os notou, de manhã cedo, com o orvalho ainda brilhando sobre eles. Sorriu. Mariana adorava copos de leite. Quando se conheceram, ela segurava um pequeno buquê cheio deles, amarrados com um fio de palha. Rodrigo olhou para os lados, a mãe ficaria chateada se ele arrancasse alguns e os desse para Mariana? Não, a mãe também gostava da jovem, não se importaria de dar algumas flores de seu jardim.
Rodrigo abaixou-se e puxou três flores de uma vez.
-Cuidado, elas são delicadas
Ele se virou ligeiro, quase caindo no canteiro da mãe.
-Mariana!- exclamou- São pra ti- disse enquanto estendia os copos de leite.
Ela os pegou, lentamente, encostando sua mão na de Rodrigo. Os dois estremeceram e isso nada tinha a ver com o vento frio que cortava aquela manhã de Julho.
-Obrigada- o frio deixava os lábios de Mariana mais vermelhos do que o comum. Rodrigo tentou se concentrar em outra coisa.
-Lembra? Tu tinha uma porção deles na mão quando veio para fazenda pela primeira vez e...
-Te vi caindo do baio de cara no chão- Mariana riu- Sim, eu lembro sim.
-Dessa parte eu não me lembro- respondeu Rodrigo, sem deixar de rir também.
-Lembra sim e tuas costelas também devem lembrar. Por pouco não foi feio.
-Sim- concordou ele.
O vento resolveu que era hora de varrer os campos novamente. Os cabelos de Mariana pareciam querer acompanhá-lo. Rodrigo aproximou-se e tirou uma mecha negra da pele branca feito leite da guria. Os lábios dela eram mais vermelhos do que o comum enquanto ele se aproximava.
-Ahn... Obrigada pelas flores- Mariana agradeceu e saiu andando em direção a casa- Vou pedir para tua mãe um vaso bonito e as coloco no meu quarto.
Mariana sumiu casa adentro. E Rodrigo ficou ali parado. Olhando para as mãos sujas de terra, que tinham, por incrível que pareça, o cheiro doce dos cabelos de Mariana junto delas.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Até amanhã

Os olhos verde grama dele não desgrudavam daquele rosto delicado. Era a criaturinha mais linda que ele vira. Mais delicada. E a que mais necessitava dele, em todo o mundo.
Os olhos dela estavam fechados e ela tinha a respiração calma de quem dorme profundamente. Ele sorriu e continuou a canção de onde havia parado. Cantaria para ela sempre que pudesse, sempre que ela quisesse.
-Querido? - a esposa estava na porta do quarto.
-Shhh- disse ele. Cantou a última estrofe da música, ergueu-se e colocou a pequena no berço- dorme bem, filha, amanhã o pai canta outra pra você.
Deu um beijo na testa da garotinha, cobriu-a e saiu do quarto. Abraçado na esposa.

sábado, 17 de agosto de 2013

Olhar

-E a gente olha pra ti e nunca vê um sorriso!
-Não tá olhando direito então.
-...

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Dessas noites

Pedro roçou a ponta do nariz gelado na bochecha quente de Alice. Ela sorriu. Era tão bom quando ele fazia isso. Quando estava perto dela. Havia mágica na companhia de Pedro e um vazio na falta dele. Alice sentia fisicamente a falta de seu Pedro. Nem sempre doía, mas sempre era sentida. De um jeito que chegava "a fazer medo" como costumava dizer uma tal de Lisbela.
Hoje, era uma dessas noites que Pedro estava em casa, que ele poderia puxar Alice pelo braço e beijá-la. Beijar sua testa, a maçã do rosto, olhos, a ponta do nariz e, finalmente, calmamente, os lábios.
Era uma dessas noites em que Pedro não precisava ter pressa. Nem Alice. Era uma dessas noites que só havia mágica. Não havia falta. Muito menos como senti-la.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

De manhã cedo

O xalê cinza de Milena a protegia do frio. Cobria seus ombros e, misteriosamente, resaltava a beleza de seus olhos e cabelos escuros. A pele muito alva, lembrava o luar, e na opinião de Antônio, combinava com qualquer tom, de qualquer xalê ou vestido.
Milena estava ocupada, lentamente tomando sua xícara de chá, nem notara os olhos do marido nela. Em seus lábios.
-Que foi?- perguntou quando finalmente percebeu o olhar de Antônio.
-Só te admirando, acho que é algo que vale a pena fazer de manhã cedo.
-Ora, que coisa linda de se ouvir logo de manhã!- respondeu Milena com um sorriso- Isso é porque já se vai? Chegou anteontem e já me deixa hoje?
Antônio riu. E a cozinha se encheu daquela energia grandiosa de que era feito Antônio. O Antônio de Milena.
-Nunca te deixo, Lena.
Ela sorriu de novo.
-Eu sei- ela estendeu a mão para ele, por alguns segundos e a recolheu- e que não demore, também! Não gosto de ficar aqui sozinha, ouvindo o chão ranger sob meus pés. Rodrigo não para em casa, é o mesmo que nada. Tu, não demore, Antônio, não ouse.
Antônio gargalhou.
-Te aquieta, vou num pulo e volto noutro. Chego a tempo do chima da tardinha. Le juro. *
-Bom. Isso é algo que vale ouvir de manhã cedo.


*Sim, amiguinho, eu quis dizer "le" e não "lhe". Tem diferença, perceba.

Sonhos de Valentina

"Sonhei com você essa noite". A observação morreu nos lábios de Valentina. Não havia mais necessidade de ser dita. Com um sorriso triste, decidiu que era melhor guardá-la só para si. Guardar a sensação boa do sonho. Doce. Leve.
Mais parecida com uma lembrança do que com um sonho.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Veio Mariana

Quando Rodrigo viu Mariana, uma morneza, parecida com a que ele sentia quando tomava chimarrão, invadiu seu peito. Ela estava linda, ela era linda. Os cabelos negros emolduravam o rosto de porcelana. Os grandes olhos negros estavam brilhando. E ela tremia um pouco.
Rodrigo sorriu ao vê-la. Ela riu e continuou tremendo, parada ali na varanda, com uma mala na mão esquerda.
-Não vai convidar a coitada para entrar, Rodrigo?- disse Milena aparecendo na varanda.
-Tia Milena!- exclamou Mariana correndo para abraçar a mãe de Rodrigo.
-Vamos entrar, guria. Tu também, Rodrigo, parece que congelou aí.
O jovem pareceu acordar do sonho em que entrara. Mariana! Mariana viera! Rodrigo sentia o peito encher de um sentimento bom e quente.
Mariana seguiu Milena. Não sem antes sorrir largamente para Rodrigo e deixá-lo ali, sentindo um perfume de algo doce. Doce feito expectativa.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Das coisas que Mariana gosta de lembrar

Mariana gostava de salgueiros porque eles lhe recordavam Rodrigo e as tardes na estância. E como ela gostava da estância. E como ela gostava de Rodrigo! Suspirou. Será que ele lembrava dela? Porque Mariana lembrava dele. Quase todo dia. Quase toda hora. Tinha vergonha de admitir, mas lembrava. E era bom, porque ela sorria. Rodrigo a fazia sorrir sempre. Até quando se embrenhava em suas recordações.
Suspirou de novo. Que maldição! Que aperto no peito! Sua mãe diria que era fome. Correu pra dentro de casa e pegou um pedaço bem grande de bolo de milho. Que resolvesse. Se o bolo não ajudasse ela fazia um chimarrão.
Alguma coisa haveria de esquentá-la por dentro. Enquanto estivesse longe de Rodrigo.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Das coisas que Rodrigo gosta de lembrar

Rodrigo tirou as botas e sentou nas escadas da varanda. Era de tardezinha e o céu ganhava tons de rosa e laranja. Tudo era de uma beleza e tranquilidade que quase dóia.
Olhou para o velho salgueiro e lembrou de Mariana. Mariana e seu sorriso bonito. Mariana e seus olhos muito escuros. Mariana e sua boca...
-Rodrigo!- gritou Milena da sala de estar.
Ele deu um pulo e voltou a realidade. Voltou as escadas da varanda e a imagem de Mariana sumiu tão rápido quanto veio.
-Quê, mãe?
-Tem chima. Vem logo, tá esfriando.
Rodrigo olhou mais uma vez para o salgueiro. Recordou Mariana pela última vez e subiu as escadas com passados pesados. Pesados de saudade.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A última pizza

Anna repousou seus olhos de grafite sobre o último pedaço de pizza. Suspirou.
-Acho que vou explodir
-Não sei se é biologicamente possível- respondeu Edgar meio entendiado, meio triste, por conta de tudo que havia comido.
-Se eu explodisse tu que limparia tudo, Edgar.
-Então, por favor, minha Anna, não exploda.
Ela suspirou pesadamente.
-Estou me concentrando nisso.
-Eu agradeço- devolveu Edgar afastando o último pedaço de pizza e trazendo Anna para seu lado.
Ela deitou no colo dele.
-Eu, sinceramente, ainda acho que vou explodir.
-Quer um chá de qualquer coisa que ajude na digestão?
-Eu adoraria um chá de qualquer coisa que ajude na digestão, Edgar.
Ele começou a se remexer.
-Ei, cara, aonde você vai? - perguntou Anna.
-Ér, fazer o teu chá...
Anna resmungou. Para ter o chá, Edgar teria que sair do sofá, de perto dela.
-Pensando bem... Eu não vou explodir, tô ótima.
Edgar sorriu. Mas Anna não viu, só sentiu os dedos dele entre seus fios de cabelo.
-Que bom saber que está melhor- respondeu.
Anna riu.
-É ótimo estar melhor. Agora, não se atreva a se mexer, Edgar!
Edgar pirragueou, procurando sua voz mais séria.
-Sim, senhora- disse e beijou a testa de sua patroa.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

A chegada

Antônio chegou em casa. Fazendo barulho. As botas batendo no chão de madeira, anunciando o dono da casa. Antônio era grande, tinha uma aura em torno dele. Preenchia a sala, a casa, a estância inteira quando chegava.
Milena percebeu seu retorno. Correu até a sala. Correu para ele. Abraçou-o. Sentiu cheiro de campo, de suor e de Antônio. Ficaram ali por um bom tempo. Antônio sentia o perfume de Milena misturado com aroma de bolo de cenoura. Abriu um largo sorriso.
-Que saudade!- disse com sua voz alta.
Milena soltou-o para ver seu rosto. Sorria também, como o marido.
-Digo o mesmo. Fiz bolo de cenoura. Rodrigo comeu metade, mas o resto é teu.
Milena viu os olhos negros de Antônio brilharem.
-Primeiro mato as saudades de ti, depois penso em meios bolos de cenoura.
-Acho justo- respondeu Milena.
Assim sumiram-se os dois, pros lados do corredor. Deixando Pelego no meio da sala, abanando o rabo.

domingo, 7 de julho de 2013

Chá de bergamota

-Te fiz um chá de bergamota - disse Milena entregando a xícara ao filho.
Rodrigo pegou-a com as duas mãos. Bebeu quase tudo em um gole. A mãe falou que ele queimaria a boca desse jeito. Ele sorriu.
-Bem capaz, mãe! - respondeu ele.
Milena olhou para o filho. Tão parecido com o pai, mas ainda sim, tinha jeitos dela. Algo no sorriso ou nos olhos. Mas a teimosia era do pai, Antônio.
-Falei que chovia hoje, agora vai ficar aí, de resfriado.
Rodrigo olhou o fogo da lareira, não responderia a mãe. Apenas concordou e chamou Pelego para perto dele. O cachorro primeiro olhou para Milena, como que pedindo permissão, e depois foi-se faceiro para o colo de Rodrigo.
O fogo crepitava, convidativo. Lá fora, o vento uivava, rugia. Pelego rosnou.
-É só o minuano- disse Rodrigo, afagando as orelhas do bicho.
Milena sorriu. Só faltava Antônio ali, que tinha mania de viajar para tratar dos negócios ele mesmo.
-Mania chata- deixou escapar Milena em voz alta.
-Mãe?
-Nada, Rodrigo. Estou pensando alto. E tu, vê se toma todo esse chá. Não quero ninguém fungando nessa casa.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Fitas

Valentina olhou-se no espelho e franziu a testa.
-Será?- perguntou para a moça do reflexo.
A moça nada disse. Valentina suspirou. Fazia tempo que não emendava entre os cachos a fita vermelha de sempre. Não era coisa de criança? Não parecia uma idiota? Não?
-Não- disse a moça refletida no espelho.
Valentina riu enquanto desvencilhava o vermelho de seus cabelos.
Que besteira. Ora uma fita vermelha numa guria daquele tamanho! Que tomasse vergonha na cara! Olhou-se de novo. Lembrou do dia que ganhou a fita. Lembrou da última vez que a usara. No Natal passado. Lembrou de quem passara a noite com ela, acariciando seu rosto, seu cabelo e sua fita vermelha.
-Dane-se- disse enquanto repunha o enfeite.
Encarou seu reflexo mais uma vez. Se não podia ter aquela noite de novo, que tivesse a fita então.
Que se tenha as lembranças. Nem que elas sejam uma fita vermelha no cabelo.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Céu cor de nada

O mate estava acabando e o carreteiro quase pronto. O cheiro de almoço invadia a casa toda.
Era um sábado cinzento e pegajoso, mas o chimarrão e a companhia do cusco alegravam Milena. Ela passou os dedos longos pelas costas de Pelego e o bicho abanou o rabo, satisfeito.
-Tu não tem jeito- disse pro cachorro, que ela desconfiou concordar.
Levantou-se da cadeira de balanço. Olhou para o céu pálido. Sentiu saudades de um tempo que ela não sabia ao certo dizer qual. Suspirou. Lembrou do carreteiro, saiu correndo. As botas fazendo barulho pelo chão de madeira. Chegou na cozinha afobada.
-Hoje o carreteiro vai ter rapa, Pelego.
O cachorro abanou o rabo. Tudo bem, Antônio gostava de rapa de carreteiro. Mas cadê ele que não chegava? Já era quase hora do almoço!
Milena fez o caminho de volta até a sala. Pelego em seus calcanhares, quase entrando por sua saia. Ela sorriu, que bela companhia era aquele cão. Sentou-se em sua cadeira de balanço. E esperou por Antônio, sorvendo o restinho do chimarrão e olhando para o céu, cor de nada, daquele sábado.

sábado, 29 de junho de 2013

Aquela velha conhecida

"A vida é feita de perdas" me disse aquela velhinha no jantar de família. Acho que era minha tia avó, ou tia avó da minha tia avó. Algo assim.
Não importa o parentesco, aquela senhorinha de olhos grandes, castanhos e tão parecidos com os meus, estava certa.
Eu sorri para essa minha parenta de sei lá que grau, porque ela dissera "feita de perdas", mas não "só de perdas." A tia (avó, tia avó?) era sábia. Suas costas eram encurvadas de tanta sabedoria e segredos, eu que não argumentaria com aquela mulher.
Sorri também porque, através daquelas rugas, bem embaixo do mel daqueles olhos, eu me vi. E ela também podia se ver em mim. A senhorinha riu para mim. "Você vai ser feliz, garota", ela me disse. E eu sorri novamente. Eu que não argumentaria com aquela mulher, com as costas encurvadas de tanta sabedoria e segredos.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Procura-se

Valentina e seu casaco caminhavam pelo campo, quebrando geadas e espantando quero-queros. O nariz e as bochechas estavam tão vermelhos quanto sua luva e cachecol. Procurava algo, a Valentina, entre as nuvens, entre as flores, mas não encontrava. Não encontrava, talvez, porque não sabia ao certo o que procurava. Suspirou, jogou um cacho insistente para trás e voltou pelo mesmo caminho que veio, talvez assim, lembraria do que procurava e não encontrava, de jeito nenhum.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Café para dois

Fazia tempo que ela não sentava para tomar café com o marido. Olhou para o céu azul e decidiu que hoje seria um bom dia.
-Os hojes costumam serem bons dias - disse enquanto dobrava uma toalha vermelha antiga e separava duas canecas laranjas.
Saiu de casa assoviando, com as mãos enrugadas cheias do que carregar. Quando chegou ao Cemitério Municipal, uma brisa fresca agitou seus cabelos de prata. Sorriu. Geraldo a esperava logo na entrada. Amélia abriu os portões de ferro, chegou perto de Geraldo, estendeu a tolha vermelha no granito e olhou para o rosto do marido. Parado. Em preto e branco. Serviu as duas xícaras, bebeu uma. Esperou que esfriasse o café da outra.
-Sinto saudades - sussurrou Amélia para a lápide, enquanto passava os dedos pelas letras negras.

Geraldo Pereira 
Marido e pai amado
1944-2004

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Pra ti, Pedro

Por trás dessa cortina cinza são teus olhos verde grama que me alegram, Pedro.
Nunca fui de te escrever, nem tem essa necessidade, posso te ligar e em dois minutos estou aí, abraçada contigo. Mas, eu não sei, essa chuva e essa distância me fizeram pegar a caneta e um pedaço de papel. Eu não vou te mandar essa carta, Pedro. Até porque, em dois dias tu estás aqui de novo, comigo. Mas, como eu disse, deve ser essa chuva que me deixou molenga. Vou escrever só para cansar a mão, gastar a tinta e a saudade. Depois guardo essa folha num caderno, num livro.
Essas linhas não tem função pra ti, Pedro. Só me servem para imaginar teus olhos e tua boca. Servem para ocupar minha mente vazia, antes que ela vire oficina do diabo. Servem para encurtar a espera. Para esquecer desse chuvisco rabugento. Não gosto de chuva indecisa, tu sabe, Pedro.
Vê se volta logo, a tinta e o papel estão acabando.
Volta logo e enche de verde esse meu dia cinza.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Colo de mãe

Não gostava que mexesse em seu cabelo. Não era qualquer pessoa que tinha permissão para desmanchar seus cachos, afastar sua franja dos olhos.
Mas, com a mãe não tinha problemas. Deitada no colo da mulher mais linda do mundo, Valentina deixou-se ser cuidada. Os dedos macios da mãe acariciavam a filha, devagar. Com o amor e calor que mães costumam ter. Valentina mordeu os lábios, passou os dedos, com as pontas sempre geladas, nos olhos e sorriu.
Foi deixando-se ir, devagar, até adormecer. Até cair em um sono tranquilo, mas escuro. Sem nenhum sonho.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Boniteza triste

Aquela névoa toda, aquele véu branco, agradou e chateou Valentina. Era bonito, mas pesado e triste. Uma tristeza bonita, uma boniteza triste. Toda aquela brancura ardia seus olhos escuros e gelava a ponta de seu nariz.
Valentina agarrou-se ao seu casaco, na esperança que ele esquentasse seu corpo e alma. Muita responsabilidade para um pobre casaco. Mas ele sabia como lidar com isso, acompanhava a jovem há anos, não seria agora que falharia. Protegeria Valentina da tristeza fria daquela manhã. Deixando-a absorver apenas a bonita saudade que aquela névoa trazia.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Passou

Abriu a porta da casa e ao entrar trouxe o frio junto com ela. Ria um riso fácil e amigável. Era bom ver um sorriso conhecido no meio daquela confusão. Se abraçaram com os olhos. Sorriram. Contaram as novidades do dia. Comeram bergamotas. Choraram... de rir. Esqueceram o frio que entrara pela porta horas antes.
Dormiram, então, sem o nó na garganta e aperto na boca do estômago que perturbara uma delas, durante todo o dia.

sábado, 8 de junho de 2013

Tic, tac

"Droga de tempo" ela me disse, olhando para o relógio de pulso.  Era bonitinho ver suas sobrancelhas se franzirem, indignadas. O tanto quanto era permitido a sobrancelhas se indignarem.
Fiquei a observando. Eu a perderia? "droga de tempo". Eu a veria logo? "droga de tempo." Ela lembraria de mim? "droga de tempo." Ela me olhou de volta, há quanto tempo eu a encarava? "droga de tempo."
-Eu preciso ir.
-Eu sei.
"Droga de tempo."

Evidências

Da noite anterior restou teu perfume no lençol e um beijo vermelho na fronha do meu travesseiro. Notei hoje pela manhã, enquanto organizava a bagunça que fizemos. Eu ainda meio fora do ar, não muito aqui e teus lábios vermelhos desenhados no tecido branco me trouxeram de volta. De volta a Terra e direto para ontem à noite. 
Sorri e me recusei a trocar de fronha, de lençóis. Eu ainda precisava de evidências de ontem. De provas que minha imaginação aguçada não tinha aprontado comigo. Que tudo realmente acontecera.
Então, deixei teu beijo e teu cheiro na minha cama, até que tu pudesse estar ali, novamente. Comigo.  

terça-feira, 4 de junho de 2013

Parede

A parede branca ficou constrangida. Não sabia o que fazer com aquela moça. Ela chorava tanto, recostada ali. Os ombros da pobrezinha sacudiam e as contas se batiam contra a pedra fria.
A parede não sabia o que fazer, estava agoniada, não tinha braços para abraçar, olhos para consolar. Então, ficou ali, impassível, gelada. Vendo a jovem chorar, sofrer, quebrar-se.
A garota e a parede ouviram passos. A garota fechou a porta e cessou o choro. A parede permaneceu em silêncio. Os passos foram embora. O choro voltou. Foi embora. Voltou. Foi embora. Então, a garota também foi-se. E a parede continuou ali, impedida de ir para onde queria. Abraçar quem precisava. Teria chorado, se fosse possível para uma parede chorar, mas não era, então ela ficou ali, fazendo o que lhe cabia. Silêncio.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Te vi passar

Hoje eu te vi passando. Estava bonito. Andando com aquele teu jeito charmoso. Lembrando um gato desfilando em cima de um muro, em uma tarde de sol.
Estava muito parecido com aquele ator, daquela trilogia, sabe? Que tem os livros, lembra? Então, igualzinho. Ou melhor.
Hoje eu te vi passando e sorri, porque lembrei de duas ou três coisas deliciosas que valiam ser lembradas.
Hoje eu só te vi passando.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Sobre os teus olhos

Os olhos de Edgar são difíceis de decifrar. Escuros. Complicados. E lindos. Estes olhos escuros, complicados e lindos contemplavam Anna. Anna e seus cachos de fogo. Anna e seus olhos de grafite.
Tinha saudade naqueles olhos difíceis. Isso era claro. Isso não era complicado.
Os olhos de Edgar eram difíceis de decifrar. Não para Anna.

sábado, 25 de maio de 2013

Salgado

Era um gosto amargo na boca. Não, era salgado. É, era um gosto salgado nos lábios. Depois ela percebeu que eram lágrimas. Caindo devagar, rolando pelo seu rosto. O rímel barato borrou e desenhou linhas escuras no rosto pálido. Ela fungou. Tossiu. Porque chorar não é tão bonito quanto nas novelas. Chorar é doído. Borra maquiagem, distorce o rosto. Dói as costelas. Chorar é salgado.
E ela tinha os lábios salgados naquela noite.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A dança

De repente começou a tocar a versão de Sway daquele seriado que Alice tem vergonha de admitir que assiste. Ela sorriu, quais eram as chances disso realmente estar acontecendo? Pegou Pedro pelo braço e o arrastou para o centro do salão. Eles precisavam dançar. Ela precisava dançar.
Aliás, era comum Alice ouvir elogios do tipo "você parece flutuar na pista", "você faz parecer fácil". Ela sempre agradecia com um sorriso educado. Apenas ria, não dizia nada. Porque sabia que não os merecia. O mérito era todo de Pedro. Toda leveza e técnica vinham dele. Toda segurança de Alice, vinha de Pedro. Dentro e fora da pista de dança.
Alice só tinha o ritmo correto nas mãos de Pedro. Só não tropeçava nos próprios pés enquanto estivesse nos braços dele. E ela sabia disso. E ele suspeitava disso.
E enquanto a música estivesse tocando não haveria problemas nem dúvidas.
A questão é que a música precisava terminar. E Alice rezava, para que no fim, os braços de Pedro ainda estivessem em sua cintura.

terça-feira, 21 de maio de 2013

A folha

Ela tentava escrever tão rápido quanto seus pensamentos. A letra era azul, pequena, miúda. Vorazmente engolia o branco do papel. Linha após linha.
Ela parou. Suspirou, espreguiçou-se. Talvez tenha estalado os dedos, uma ou duas vezes. Analisou o que escreveu. Gostou. Sorriu. Dobrou a folha e a guardou na gaveta.
Para ela, isso bastava.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Com carinho

Chá de camomila com mel em uma caneca laranja. O calor da bebida em aspirais de fumaça. Mãos pálidas aquecendo os dedos. Frio lá fora. Ponta do nariz congelada.
Bochechas rosadas do vento cortante. Cachos fora do lugar. E um cachecol azul marinho bordado pela avó.
Ela olhava para o céu rosado, sorrindo. Esperando por ele, já o percebendo em cada respiração.
Vem inverno, te aguardo com carinho.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

De colorir

A cama de Anna ficara laranja. Tornara-se colorida como um céu de outono. A presença de Edgar costumava causar isso. Ele costumava colorir os olhos cinzentos de Anna. As maças do rosto, os lábios, os cabelos. A Anna. Toda ela.
Anna não tinha certeza se ele sabia disso. Desse dom para colorir.
Sorriu, enquanto observava a respiração lenta de Edgar, ir e voltar.
Então, Anna riu um riso colorido e voltou a adormecer. Com os olhos coloridos.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Pressão

Tinha pinhão no fogo e os pés de Alice, aquecidos por meias coloridas, na guarda do sofá. Fogo na lareira e chuva lá fora.
-Tua mãe não te ensinou bons modos?- perguntou Pedro, vindo da cozinha com um prato fumegante. Sentou no sofá.
Alice espreguiçou-se e jogou as pernas no colo de Pedro.
-É, acho que não- disse ele rindo e acariciando os pés coloridos de Alice- Pinhão?
Alice fez uma careta, torcendo o nariz.
-Achei que gostasse de pinhão, Al.
-Não me chama de Al.
-Achei que gostasse de pinhão, Alice.
-Eu gosto, só estou com preguiça.
-Nota-se.
-Ah, Pedro, um observador- ela riu.
Ele sorriu e colocou o prato de pinhão no chão e tirou as pernas de Alice do seu colo.
-Pedro...
Ele se aproximou rindo.
-Pedro?
Mais próximo.Eles já ouviam e sentiam a respiração um do outro.
-Pedro
-Shh, Alice, não estrague o momento
-Pedro?
Ele suspirou.
-Sim?
-A panela de pressão!

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O melhor idiota que existe

Não é todo mundo que vê suas qualidades. Não é todo mundo que realmente o vê. Não que ele seja feito de perfeição, ninguém é. Aliás, um aviso ao leitor: ele sabe ser idiota. Mas, sabe ser muito mais. Ele é muito mais. Porém, não para todo mundo. O que há de bonito  nele, para ser visto, algumas vezes, precisa de lupa, de lente de aumento. E sabe, caro leitor, nem todo mundo nasceu com essa lupa. Como diria o amigo Conan Doyle, a maioria só vê, não observa. E esse cara, pra gostar dele, precisa observá-lo. Ele precisa deixar ser olhado. Você precisa dessa lente de aumento, meu caro. Aliás, a compre logo, você não verá apenas ele melhor, mas o mundo todo.
Volto a lembrar: ele sabe ser um idiota. Ele faz isso com frequência. Mas, querido leitor, eu gostaria de deixar registado: ele é o melhor idiota que existe.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Pontas dos dedos

As pontas dos dedos estavam geladas, como na noite anterior. Valentina tinha tudo para estar aquecida, mas pontas de dedos podem ser teimosas quando o tempo esfria.
Ela colocou as mãos no bolso do casaco. Não funcionou. Procurou um cobertor. Não deu certo. Tomou chá e tentou aquecer as mãos na xícara. Funcionou, por pouco tempo.
Não adiantava. Quem podia aquecer seus dedos não estava por perto nessa noite.
Não adiantava. Quem podia aquecer seu coração não viria hoje.
Então, Valentina levantou-se e preparou outra xícara de chá.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Noites

Como a noite em que Valentina parou na escada. Que demorou para apagar a luz do quarto. Que ficou sozinha no escuro.
Que mordeu o lábio, que fingiu que não chorava, que entrou no quarto rindo. E que fingiram que acreditavam no sorriso dela.
Como a noite em que Valentina pediu colo, pediu ombro, ganhou carinho. Gargalhada. Covinhas. e foi embora com a alma um pouco mais leve. Porque deixara o choro embaixo da cama. Porque as lágrimas foram embora. Porque ela não precisava ficar no meio da escada. Porque ela podia apagar a luz do quarto sem medo. Porque, no fim, ela não estava sozinha.

terça-feira, 30 de abril de 2013

Sobre a mulher mais linda do mundo

Cabelos negros, olhos cinzas e sábios. Boca carnuda e sorriso grande. Grande e maternal. Braços macios de tanto presentearem os outros com os melhores abraços.
Ela tem o mundo desenhado nas poucas linhas do seu rosto. Já viveu e sacrificou muita coisa por amor. Amor próprio, pelos filhos, pela famíla, pela vida.
Ensina, lê e escreve. As mãos cheias de pintinhas já educaram e despertaram o gosto por um bom livro em muita gente.
A mulher mais linda do mundo. A mulher mais linda do mundo, chama-se Fátima.
A mulher mais linda do mundo, me atende sempre que a chamo de mãe.

sábado, 27 de abril de 2013

Deixa pra lá

Ela notou a repetição, mas ficou em silêncio. Franziu o cenho. Ficou um pouco ofendida, é verdade, mas... Deixa pra lá, certo?
Hum, talvez. Deixar pra lá mesmo? Acho que sim, não foi por mal, né? Não, né? É.
Foi sincero, né? É.
Ah, então tudo bem. Deixa pra lá a repetição. Traz pra cá a sinceridade.
Depois a gente cuida do resto.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

O problema de Valentina

Valentina sentia dores fortes nos braços. Não, ela não estava doente. Não ela não tinha sofrido nenhum acidente. Não, não era culpa da vacina da gripe.
Valentina estava preocupada. Estava nervosa e seus braços doíam por isso. Doíam porque queriam algo.Precisavam.
Valentina sentia fortes dores nos braços porque estes (e ela também) precisavam de um abraço. Não de qualquer abraço.
O problema de Valentia era que o abraço certo estava longe. E não seria hoje que ela o teria.
Então, os braços de Valentia continuariam a doer, até a próxima semana.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Pra lembrar #2

Provavelmente tu não percebeu. Ou se percebeu não lembra mais. Foi bem rápido e espontâneo. Foi sem querer e foi sincero. Notei quando aconteceu, mas só fui realmente pensar sobre isso horas depois.
Confesso que essa lembrança me assola com frequência. É sem querer. É sem pensar. Ela simplesmente aparece, acompanhada de um sorriso.
Sempre sorrio quando percebo. Sempre sorrio quando lembro. Da tua mão na minha.

sábado, 20 de abril de 2013

Sobre flores de domingo

Os dois se conheceram quando Elvis Presley ainda lançava discos e requebrava nos palcos da terra do Tio Sam.  Ela tinha um lenço vermelho no pescoço e ele aquele sorriso atrevido, escondido no canto da boca. 
Dançaram a noite toda. A desculpa perfeita para ele segurar a mão macia dela. A melhor forma que ela encontrou para ver de perto os olhos escuros dele. Ela ainda lembra o que ele lhe disse no pé do ouvido. Ele não. Talvez lembre que ela sorriu. Porque o sorriso dela valia a pena ser lembrado, em qualquer situação.
O namoro foi longo. O noivado curto. O casamento durou uma vida.
Ele sempre levava flores para ela. Ela as colocava em um vaso de porcelana antigo. Agora isso mudara.
Ela que levava flores. Todos os domingos.  E ele não tinha onde guardá-las. Nem como agradecê-las.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Nos cantos

No canto do sofá. No canto do quarto. No canto do canto. No canto da esquina, que já é um canto. No canto do teu casaco, da tua camisa. No teu canto.
No canto da tua boca.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

E eles sabiam

Os cachos de Anna queimavam de vermelho o sofá que Edgar comprara na liquidação de Natal do ano passado. A garota tinha o costume de cochilar ali. Ás vezes a culpa era de um filme chato, um livro cansativo ou um cara que costumava se atrasar. O cara que costumava se atrasar agora a observava. Ele achava engraçadinho a maneira como ela entreabria os lábios ao adormecer. Adorava a  forma como os cílios faziam sombra nas bochechas. Só não gostava daquele vinco na testa dela, bem discreto, entre as sobrancelhas desenhadas. Não gostava porque fora provocado por ele. Por seu atraso.
Anna não gostava de esperar. Edgar sabia. Anna só esperava por uma pessoa no mundo todo. Só esperava por Edgar. E Edgar sabia.
Anna abriu os olhos cor de prata. Ela sorriu. E ele soube que o atraso havia sido perdoado. E Anna sabia que Edgar sabia.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Maçaneta

Anna não lembra de ter chorado tanto assim nos últimos tempos. Os olhos cinzas estavam vermelhos. Pela primeira vez na vida ela não gostava da cor, a mesma de seus cabelos.
Olhou para os fios cor de fogo. Olhou para seu reflexo no espelho quebrado. Por onde andava Edgar? Seus braços doíam porque não podiam abraçá-lo.
Anna tinha um nó na garganta que nenhuma das lágrimas que manchavam seu rosto conseguiu desatar.
Doía tanto! E ela nem sabia ao certo o que e porque doía.
Deu um sorriso triste para moça de olhos nublados que a encarava no espelho partido. Ela sorriu de volta.
Anna suspirou. A maçaneta da porta moveu-se.
Um novo sorriso. Dessa vez sem tristeza.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Posso?

Só uma dúvida, uma pequena questão. É rapidinho, é só algo que gostaria de perguntar antes de tu sair. Pode ser? Não estou atrapalhando? Não, não precisa sentar, é rápido, como disse antes.
Só uma questão boba. Agora, tu me olhando assim, nem sei se a faço realmente. Se ela é importante.
Eu... Só queria saber se posso responder o teu "querida" com um "meu bem". Posso? Essa ideia me ocorreu e eu achei que deveria lhe pedir.
Então? Eu posso?

Para lembrar

Você apenas a olhou. E Valentina ficou desconcertada. Ela acha que sorriu. Não tem certeza.
Será que o mel de Valentina conseguiria ser mais doce e terno que o teu céu esverdeado? Ela esperava que sim.
Tentou corresponder. Esperava ser entendida.
Foram apenas segundos, e algumas horas depois, ela ainda pensa nisso. Sempre se lembrará, com carinho, daquele olhar terno. Com um sorriso no rosto.
Como sempre acontecia quando lembrava dele e de seu céu azul esverdeado.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Concordância

Alguns diziam que foi sorte. Alice acreditava em algo maior. Volta e meia ela pensava que era destino. Pedro concordava, apesar de nunca terem discutido o assunto. Eles tinham essa mania, de concordarem em silêncio. De se afirmarem com os olhos.
Concordavam com as cores das paredes e da cortina. Concordavam com a disposição dos móveis. Concordavam que piso do banheiro era muito feio. Concordavam. Quase sempre. Discordavam também, é claro. Mas concordavam que discordavam poucas vezes.
Alguns diziam que isso era sorte. Pedro acreditava em algo maior. Volta e meia ele pensava que era destino. Alice concordava.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Chá de veludo

A xícara era branca e delicada. Feito ela. O chá quente desceu macio na garganta como veludo. Ela fechou os olhos porque assim tinha sensação que poderia saborear melhor as frutas vermelhas. Sorriu. Que delícia!
Fazia frio e Valentina usava a xícara de porcelana como luva, aquecendo os dedos e, aos poucos, o corpo inteiro.
Sorriu de novo. Mais um gole. Outro sorriso. Outra delícia.
Suspirou, pois lembrou de alguém. Foi dormir sorrindo.

terça-feira, 19 de março de 2013

Marcas


Olhou-se no espelho. Tirou os fios de cabelo molhado do rosto. Sorriu e as viu. Duas delas. Uma em cada lado da boca. Marcas de expressão. Marcas de riso, as mais belas.
Seu sorriso cresceu. Passos os dedos pelas linhas finas. O esmalte vermelho combinando com o tom dos lábios.  Continuou sorrindo. Os olhos brilharam ao lembrar de quem deixava seu rosto marcado, no bom sentido, claro. Os responsáveis eram muitos e ela agradecia por isso.
Seu sorriso ganhou uma nova cor ao lembrar-se de alguém que contribua com ele todos os dias. Viu as linhas aprofundarem-se e expandirem-se. Achou engraçado. Não conseguia parar de rir. Não conseguia deixar de marcar-se.
Ela sorria marcas de expressão. Ela sorria marcas de riso. As mais belas. 

quinta-feira, 14 de março de 2013

Para os dois

Ela adormecera sobre o livro. Os cachos vermelhos contrastando com a capa azul.
-Alice?-chamou Pedro.
Nenhum movimento. A respiração continuava calma. Adormecida. Pedro parou para observá-la. Jogada sobre a mesa e o livro. Um pouco torta. Talvez sua coluna fosse doer quando despertasse, mas ela estava linda. Realmente linda. Com o braço direito esticado para frente.
Ele contornou a mesa e caminhou em direção aos dedos alvos da moça. Acariciou. Um a um.
-Olá- disse Alice abrindo os olhos, a voz ainda rouca e sonolenta - O que está fazendo?
-Vendo minha bela adormecida, adormecer- respondeu Pedro, indo em direção aos lábios de Alice.
-Boa resposta- sorriu ela.
Pedro sempre sabia o que dizer para Alice. E Alice sabia que Pedro sabia. Então, nada de surpresas. Apenas o de sempre. Mas, mesmo assim, continuava sendo maravilhoso.
Ao menos para os dois.

terça-feira, 12 de março de 2013

Companhia

Valentina jogou os cabelos molhados no travesseiro. Pegou seu livro de páginas amareladas e o abriu. Capítulo 5, "Eu não te interpretaria errado, meu bem, nem se eu quisesse...". Lembrou de alguém. Sentiu saudades. Remexeu-se na cama. "Concentre-se, Valentina!", pensou. Mais duas linhas. Mais saudade. Bufou. Mais lembranças. Remexeu-se novamente. De repente, a cama era desconfortável, o espaço pequeno, e ali não parecia ser o lugar onde ela deveria estar. Tentou ler mais um pouco. Não conseguiu. Pediu desculpas mentalmente ao autor da obra.
Mas, o que ela poderia fazer? Ele não era o cara com quem ela gostaria de estar agora.

sexta-feira, 1 de março de 2013

O melhor

Infelizmente ainda não conheço teu abraço. Mas posso afirmar que é o melhor. O que me faria sorrir com uma facilidade vergonhosa. Aposto que me sentiria protegida, não é? Amada, querida, todas essas coisas. Só com o teu abraço, que deve ser o melhor. Precisa ser o melhor.
Porque você é o melhor.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Ainda falta

Confortável. Pernas esticadas em um sofá aconchegante de dar inveja em um sultão. A brisa da janela é perfeita. Há muitos motivos para fechar os olhos e abrir um sorriso. Mas falta um detalhe. Um só. Algo (alguém?) deveria estar ali também. Dividindo o sofá. Ocupando espaço. Preenchendo. Enchendo.
Mas falta. Por enquanto falta. Ainda não há quem esquente o que o vento vindo da janela esfria. Ainda não há quem a jogue contra as almofadas. Não há ali, naquela sala. Porém, esse algo (alguém?) existe. Tem nome e sobrenome. Só não pode ser chamado ainda.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Remoendo, recordando, mudando

Charlotte ainda estava abalada. Fora o primeiro cadáver que vira. Um corpo jogado, sem vida, numa sala qualquer. Com cheiro de sangue e morte. Ela não conhecia a vítima, porém seu corpo doía sempre que fechava os olhos e a cena voltava claramente em sua mente. Será que era pai de alguém? Amava alguém? Quem ficaria sem seus beijos naquela noite fria? Quem sentiria sua falta? Que lado da cama ficaria vazio? Que olhos ficariam vermelhos de tanto chorar?
A jovem sentia-se mal. Revoltada, triste, indignada e sem forças. Ao chegar na pequena sala de seu amigo Nikolai, Charlotte jogou-se no sofá e por lá ficou. Ela acha que chorou, não lembra direito. O vazio no peito era muito grande para ter certeza. Sentiu saudades imensas de quem nem lembrava que conhecia. Sentiu saudades de si mesma. De como era antes de ver um homem interne envolto em sangue. Morto.
Ela havia mudado. E não havia volta.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Engano


As unhas estava bem pintadas. De um esmalte escuro e meticulosamente aplicado. Os cabelos organizados. A roupa limpa. Bonita e clássica. A maquiagem combinando perfeitamente com tudo. Ela estava linda e adorável. Organizada e charmosa.
Por fora.
Já sua mente era uma bagunça. Nada organizada, nem limpa, nem perfeita. Era um nó, uma massaroca. Parecido com o cabelo dela ao acordar. Nada semelhante com sua aparência física. Que jovem agradável, pensavam todos. Coitados. Tão desavisados. Mas o que eles poderiam fazer? Ela tinha feito um ótimo curso de teatro. Enganava todos muito bem.
Inclusive a si mesma.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Entrelaçados

Segurei a sua mão. Porque eu não tinha o que fazer. Porque desejava fazer isso há muito tempo. Ficamos ali, naquele silêncio sem peso, tranquilo. Não consegui perceber o que você sentia. Não se podia ler nada nas suas feições. Porém, sua mão continuou na minha. Bem firme. Não pude evitar um sorriso. Eu até tentei, juro. Mas não consegui. Sorri e você arqueou a sobrancelha. Tão bonito. Meu sorriso cresceu. E você franziu a testa. Continuou lindo, desgraçado!
Comecei a gargalhar. Você me olhou. Duvidando da minha sanidade mental. Antes de começar a rir comigo. Até perdermos o fôlego.
Porém, sem soltarmos as mãos.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Arte de provocar

Uma rede em uma imensa varanda. Anna e Edgar deitados nela. As pernas entrelaçadas. Os cabelos de Anna descendo pelo tecido a fora, os de Edgar balançando com a brisa. 
-Preciso te dizer algo, Anna.
-Eu sei que me ama, Edgar. Poupe-me do óbvio.
-Na verdade, eu ia dizer tu tinha engordado. 
Anna arregalou seus olhos cinzas. Edgar explodiu em gargalhadas. A rede balançando violentamente. A crise de riso cessou quando os dedos de Anna desenharam um tapa no rosto de seu amado. Que ficou sério. Que transformou a agressão em amor. O tapa em beijo.
Ah, nada como provocar quem se ama. 

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Desenferrujando


Valentina sorriu. Os cantos de sua boca doeram. Há tempos que ela não fazia isso. Sorrir. Massageou os cantos dos lábios com os dedos finos. Desenferrujou os músculos da alegria. Um a um. Até o sorriso não doer mais. Até nada doer mais. Até que sorrir fosse mais fácil que piscar e mais necessário que respirar.
Até tudo ficar bem. 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

De Alice para Pedro, com amor

Pedro encontrou Alice esparramada no sofá.  O cabelo cor de fogo preso em um rabo de cavalo desajeitado. Algumas labaredas vermelhas saindo rebeldes do penteado. Ela escrevia em um caderno.
-Olá-disse sem tirar os olhos do papel.
Pedro aproximou-se.
-Sai- disse ela, mais uma vez sem tirar os olhos das linhas que escrevia
Ele arregalou os olhos azuis.
- O que houve? Juro que aquele vaso já estava quebrado e...- Alice levantou o olhar e riu- Não foi o vaso, né?
-Não, estou escrevendo uma carta para você. E, como vê, não a terminei, muito menos a enviei, então: sai!
-Al, querida, eu moro aqui.
-Eu sei- ela escrevia mais rápido agora, os olhos escuros se estreitaram um pouco- Por isso vou mandá-la para cá.
Pedro balançou a cabeça rindo. Maluquinha essa minha Alice, pensou.
-Que esperta- disse.
-Que irônico- ela devolveu.
Silêncio. Alice sorriu e largou a caneta.
-Acabei.
-Agora posso ler- Pedro estendeu a mão e levou um tapa de advertência. Três listras vermelhas surgiram em sua pele.
-Não. Já disse, vou te mandar. Espere.
- E do que se trata a carta mesmo?
-Só posso adiantar o final.
-E o que diz o final?
"Eu te amo"- respondeu ela.
-Bem previsível.
-Bem verdade.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Café de madame

James olhava espantado para madame Elise. O que ela dissera mesmo?
-Hoje eu farei o café, James- repetiu ela- Sente-se e aproveite- disse.
James piscou.
-Sim, senhora- obedeceu ele, confuso.
O mordomo caminhou até a sala de jantar. Sentou. Ouviu sons metálicos vindos da cozinha. Pensou em ir até lá.
-Estou bem- gritou madame Elise.
Longos trinta minutos se passaram. Ou seriam mais? Madame Elise surgiu sorridente, equilibrando uma bandeja de prata nas mãos delicadas.
James franziu o cenho. Estava preocupado. Não sabia quem socorrer primeiro: madame Elise ou a bandeja. Por sorte, tudo chegou em segurança na imensa mesa de carvalho.
-Ufa- sussurrou James, aliviado.
Elise estava tão empolgada que não ouviu. Seus olhos brilhavam.
-Beba, James, beba!
O mordomo olhou preocupado para sua xícara cheia.
-Estou bem, madame- ele fez menção de levantar-se.
-Deixa de ser fresco e beba logo!- ordenou ela
James agarrou a xícara e bebeu. Seus olhos se arregalaram. Silêncio.
-Está... Magnífico- sinceridade escorria dos lábios do mordomo.
Madame Elise sorriu:
-Obrigada, James querido. Agora só falta organizar a cozinha...
Ele lembrou-se dos ruídos alarmantes que ouvira enquanto esperava. Sua testa se franziu em forma de preocupação.
- Eu faço isso, madame. É minha função.
Elise pegou seu braço e o enlaçou.
-Vamos juntos, James.
-Como sempre- sorriu ele.
-Como sempre- concordou ela.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Sobre você e seu perfume

Teu perfume chegou até mim antes de você. Antes do teu sorriso e olhos encantadores. Já te disseram que seus olhos são incríveis? De qualquer maneira, foi teu cheiro que senti primeiro. Lembro que sorri e olhei para a minha esquerda. Então, eu te vi.
Parecia uma miragem. Era bem verdade que fazia calor e eu estava com sede, mas isso não é importante. Eu te vi e logo me apaixonei. Nem todo mundo é tão simpático comigo como você foi. Sabe, as pessoas costumam fingir que não veem as camareiras. Porém,  é só encontrar a cama desarrumada para lembrarem seu nome, sobrenome e RG.
Você foi educado e gentil desde o primeiro instante. Queria que soubesse disso. Que foi especial desde o primeiro momento.
Feliz Aniversário de dois anos, meu amor. Espero que goste do perfume.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

James e Elise, Elise e James

Madame Elise levou a xícara de porcelana até seus lábios rosados. Saboreou o chá quente, lentamente.
-Delicioso, James- ela sorriu.
O mordomo, de luvas impecáveis, fez uma pequena mesura.
-Obrigada, madame. São de ervas da sua horta.
-Sua horta, James- corrigiu gentilmente Elise- Eu não faço nada por ela. Quem cuida de tudo é você.
O mordomo sorriu e retirou-se.
Madame Elise estava sozinha. Olhou para a imensa sala. Vazia. Do que ela valia, afinal? Quanto custara todo aquele mármore? Suspirou. Ninguém respondeu. Afinal, pedras, por mais caras que sejam, não falam. Um sorriso tristonho surgiu em seus lábios finos.Ela tinha James, que era mais que um amigo, mais que um amor. Que vestia aquele uniforme de mordomo por mera formalidade.
De repente, o sorriso de madame Elise cresceu. E, como por encanto, deixou de ser triste.
James tinha voltada para sala. As cores da sala tinham se tornado mais vivas. O mármore parecia ter aquecido e, finalmente, cumprido seu dever de embelezar o local.
Agora, tudo estava bem. Tudo fazia sentido.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Primeira vez

Charlotte vira o primeiro cadáver de sua vida. Deitado, de bruços no chão. Uma poça vermelha perto da cabeça. Sentiu cheiro de ferrugem. Cheiro de sangue. Parecia que um nó se instalara em sua garganta para nunca mais sair. Charlotte se afastou. Procurou Nikolai.
Ele estava mais adiante, perto da entrada. Seus dedos pálidos gesticulavam, enquanto conversava com o policial que encontrara o corpo. Nikolai Petrova parecia calmo. E, Charlotte poderia jurar, se não conhecesse o detetive, que ele seria o assassino. Tamanha era sua familiaridade com tudo aquilo.
Os olhos castanhos dele a encontraram. Pareceram preocupados por um instante.
-Vamos embora, garota, você já viu demais por hoje- disse Nikolai estendendo a mão.
Charlotte a segurou. Queria sair logo dali. Mal sabia ela que sonharia com aquele lugar, por muitos anos ainda.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Gosto de infância

O circo chegou, me contou um vizinho. Sorri. Há quanto tempo eu não ia ao circo? Tentei lembrar. Não consegui. Fui até lá. Dei de cara com uma lona enorme. Azul da cor do céu. Meu sorriso se alargou. Entrei. Sentei. Ri. Chorei.
E depois de tanto algodão doce,  voltei para casa, com gosto de infância, no céu da boca.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Primeira lição

O barulho encheu a pequena sala de Nikolai.
Charlotte saltou do sofá mal cuidado.
-Alguém morreu!-gritou ela. 
-Primeiro: você parece uma agente funerária comemorando a morte de alguém dessa forma. Controle-se-  Nikolai disse e Charlotte murchou- Segundo: Não sabemos se alguém morreu, o tiro pode não ter sido fatal. Terceiro: vamos descobrir isso agora, saindo daqui, corre, garota!
Os dois correram prédio abaixo, rua abaixo, até se depararem com uma van parada no meio da rua. Um homem gritava na frente dela. Agitando os braços. 
-Maldito escapamento!-berrou
Charlotte olhou em volta. Onde estava a vítima? Olhou para atrás e viu Nikolai andando cabisbaixo. Fazendo o caminho de volta.  Ele se virou.
-Vamos, garota- disse para Charlotte.
Charlotte entendeu. Ninguém morrera.  Ninguém levara um tiro. Nem fora um tiro.
-Maldito escapamento!- ela gritou em coro com o motorista infeliz.
Naquele instante, Charlotte aprendera sua primeira lição como detetive: nem tudo é, ou soa, como parece. Ela sorriu. Essa ela levaria para a vida.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Inércia criminal


Nikolai bocejou. Charlotte bocejou. O detetive particular e sua aprendiz não tinham nenhum caso desde... Bom, desde que começaram a trabalhar juntos. 
Charlotte começara a pagar para que Nikolai Petrova a ensinasse as manhas de sua profissão.  Porém, até agora, eles não tiveram nenhum caso. Nada fora roubado, ninguém fora sequestrado ou morto. Inércia absoluta no mundo do crime.
-Que cidade feliz e pacata, meu Deus, eu vou morrer de tédio!- exclamou Charlotte jogada no sofá velho do escritório de Nikolai.
Como ela aprenderia alguma coisa sobre ser uma detetive se nada, absolutamente e absurdamente nada, acontecia?
-Tirou as palavras da minha boca, garota- disse Nikolai carrancudo, observando a cidade pacífica.
-Não me chame de “garota” como se fosse muito mais velho que eu- reclamou a jovem.
-Desculpe... Garota- respondeu ele de forma jovial.
-Rá, rá.
Suspiros. Nikolai observou Charlotte. No final das contas, ela era uma pessoa legal.  Não era mimada e esnobe, como ele pensara. Mas, tudo bem, até detetives erram.
-Quem sabe se a gente assaltasse um banco, ou sequestrasse a filha do bancário ou...
-Se vê que é rica-interrompeu Nikolai- Só fala em bancos.
-Se vê que é pobre, só me escuta quando falo em bancos e dinheiro- devolveu ela, ligeira.
- Argh. Se ninguém for assassinado nessa cidade, eu morrerei de tédio- disse Nikolai e Charlotte concordou.
 Então, os dois ouviram um tiro.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Oi e tchau


Ele tinha olhos muito bonitos que não me viam. Uma boca muito vermelha que não me dirigia a palavra e braços definidos que nunca me seguraram.
Até o dia que derrubei a bandeja com todo meu almoço nos tênis dele. Então, ele me viu com seus olhos lindos, ofereceu ajuda com sua boca avermelhada e limpou a comida que caíra no chão, com seus braços malhados.
Sussurrei um “obrigada”. E ele foi embora.
Com suas pernas compridas. Seus olhos claros, sua boca carnuda e seus belos braços. 

domingo, 6 de janeiro de 2013

Sobre sair do tédio

-Estou entediada- disse Anna.
Edgar encarou-a. Os olhos dele hoje estavam acinzentados. De puro tédio.
Os dois estavam esparramados no sofá, de frente para televisão. Desligada. O controle remoto sobre a mesa da cozinha. Inconsciente de sua alta relevância naquele instante.
-Ai, ai- suspirou Edgar, esperando que aquilo resumisse o quanto estava cansado de absolutamente nada.
-Talvez a gente morra de tédio- profetizou Anna.
-Ninguém morre de tédio, Anna- replicou Edgar.
-Talvez morram sim, mas elas estavam muito entediadas para avisar que seu fim estava próximo, então, ninguém ficou sabendo e constataram que foi de tristeza que morreu a pobre pessoa.
-Ok, Sherlock.  Boa dedução.
Anna esboçou um sorriso.
-Eu não quero morrer de tédio, Edgar, me ajude!- implorou ela jogando os braços para cima. Uma atitude de total desespero.
-Eu tenho uma ideia...
-Não.
-Mas...
-Não.
-Ok.
Silêncio.
-E se a gente ligasse para o Pedro? Soube que ele comprou um karaokê.
-Soube que a Alice não teve paz desde então.
Edgar bufou.
-Aposto que não estão entediados.
Anna estudou a ideia.
-Ok, vou me trocar.
Edgar sorriu. Um sorriso com um lado nas sombras do tédio e outro na ideia de encontrar com amigos que tem um karaokê. Uma perfeita oportunidade para se humilhar demonstrando a sua falta de talento vocal.
Perfeito! Adeus tédio, olá diversão!

sábado, 5 de janeiro de 2013

Domingo


É sempre no domingo. Não sei se ele percebeu isso. Mas, ele sempre aparece no domingo. Com aquele sorriso e ombros largos. Com aquelas piadas prontas, que mesmo assim, me fazem rir. Com o jeito estranho que ele mexe no cabelo e arqueia a sobrancelha esquerda. Uma vez por semana eu sinto seu perfume e ouço ele dizer meu nome. Poderia ser por mais vezes, eu gostaria que fosse. Mas é sempre no domingo.
Ele vem e espanta meu tédio justamente porque ele se sente assim... Entendiado.
Não, não contei isso a ele. Deixa assim, quem sabe na próxima semana eu diga alguma coisa. Quem sabe eu conte os detalhes a ele.
Quem sabe.
No próximo domingo.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Aulas para a morena

-A moça quer o que? - perguntou Nikolai, arregalando seus olhos castanhos.
Charlotte riu.
-Quero aprender a me tornar uma detetive, com você- esclareceu ela, jogando os cabelos para trás.
-Ah, claro! - Nikolai jogou as mãos para o alto- Simples!
-Exato.
-Eu fui sarcástico.
-Eu notei.
Nikolai bufou.
-Olha, garota, eu sou detetive particular, não professor particular- explicou ele, inclinando-se para frente.
-Exato. E eu disse que precisava dos seus serviços.
-Meus serviços são investigar e solucionar. Não, ensinar.
-Pago bem.
Nikolai abriu e fechou a boca. Hesitando. Então, era uma garota rica e mimada afim de pagar bem para brincar de Sherlock Holmes? Nikolai esfregou as têmporas. Bom, ele precisava de dinheiro. Charlotte tinha dinheiro. Ele era detetive (ou pensava que era) e Charlotte queria tornar-se uma. E pagaria para isso. Pagaria Nikolai para isso.
-Tudo bem, começamos amanhã. Agora saia, preciso terminar de comer minha pizza de ontem.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Um caso com uma morena


Nikolai bebeu o café de anteontem em poucos goles. Três xícaras se foram em espaço de tempo muito curto. Seu estômago reclamou.
-Calado- rosnou o detetive para própria barriga. 
Barriga que, aliás, estava precisando de cuidados. Nikolai Petrova suspirou. Estava cansado. Exausto de não fazer nada. Um detetive particular jogado às moscas. Moscas que rondavam os restos da pizza de ontem. Jogados em um canto. Suspirou novamente. Outra coisa de que estava cansado: suspirar. Foi para a janela do pequeno escritório. Observou a cidade nublada. Olhou para o fim da rua. Quem dobrava a esquina correndo como se fosse tirar o pai da forca? Uma moça. De cabelos escuros.
-Bonita- comentou em voz alta Nikolai.
Uma observação que não exigia dele nenhum de seus talentos investigativos. Ela era obviamente linda. Ela era obviamente linda e estava entrando no prédio onde ficava o escritório de Nikolai. Passos. O jovem correu para sua cadeira de couro surrado. Fez pose. Esperou. Esperou. Será que a garota não tinha entrado no prédio? Será que...
Dum. Dum. Dum. Batidas na porta. Uma cliente! A moça bonita abriu a porta lentamente. Nikolai sentiu-se em um filme da Sessão da Tarde.
-Pois não?- perguntou enquanto a jovem entrava.
Ela sorriu.
-Olá me chamo Charlotte e preciso dos seus serviços-disse.
Anjos cantaram, sinos soaram, fogos de artifício romperam o céu. Nikolai arrumara um caso. Um caso com uma bela morena. Um caso investigativo, claro.
-Então, sente-se. Temos trabalho a fazer.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Lavanda

Tinha cheiro de fronhas e lençóis. Cheiro de lilás. De lavanda. Aspirei seu perfume, longamente. Queria guardá-lo comigo. Seu aroma e sua imagem. E aquela gargalhada que deu ao me receber. Queria guardar você.
Peguei uma foto sua. Aquela que você está de vestido vermelho e rindo. Não estranhe se ela sumiu. Na verdade, está comigo. No bolso interno do casaco, porque sei que você adora bolsos internos.  E eu adoro você. Que isso fica claro, antes que eu vá embora. Que você continue com seu perfume de lavanda, até a minha volta. 
Eu não demoro. Prometo.