sexta-feira, 17 de julho de 2015

Impressões

-Sai daqui, Edgar - gritou Anna de dentro do banheiro.
-Eu nem entrei, Anna! - respondeu Edgar do lado de fora, encostando-se no batente da porta.
Segundos depois isso já não era mais verdade.
-Anna, me escuta - Edgar pediu já no banheiro e procurando nuvens nos olhos cinza tempestade da namorada.
-Eu não quero. Sai do meu banheiro.
-Seu? A gente mora junto!
-Eu paguei luz e água esse mês. Portanto, esse banheiro é meu.
-Pensa bem, hein? Eu paguei o condomínio... - respondeu Edgar arqueando a sobrancelha.
-Grrrrr! - devolveu Anna.
-Qual o problema, Anna? Por que tu tá assim?
-Tu sabe!
-Anna...
Ela revirou aqueles olhos cheios de nuvens.
-Porque tu me deixou plantada lá. Porque te ligaram e tu saiu correndo. Afinal, Edgar, tu é o Batman? Precisava salvar Gotham?
Haviam nuvens pesadas naqueles olhos Elas enchiam não só o rosto da jovem, mas todo o ambiente. Como os olhos de Anna tinham força, pensou Edgar.
-Era nosso jantar romântico - ela continuou - Eu passei um tempão pensando nele e tu saiu correndo para ajudar uma impressora que não tava funcionando. É uma impressora, Edgar! Desde quando elas funcionam bem? Cadê o cara que fazia piqueniques pra mim no apartamento porque tava chovendo?
-Eu tô aqui, Anna.
-Dizer que tá aqui não é suficiente. Eu preciso de mais.
-Para de brigar comigo, Anna. O que tu quer que eu faça?
-Eu quero que tu compre impressoras decentes pra aquela fábrica.
Ela sorriu e algumas nuvens dissiparam.
-Eu te amo, Edgar. Eu não brigo pelo que eu não acredito. Eu não tento consertar o que não vale a pena.
-Eu também te amo, Anna. Tu vale a pena. Aquela impressora também valia.
Ele sorriu. Ela também.
-Obrigada, agora sai.
Ele arregalou os olhos.
-Por quê? Achei que tínhamos nos acertado.
-É um banheiro, Edgar. Privacidade...
-Beleza. Entendi.
Edgar saiu, mas não sei antes olhar novamente os seus amados olhos de grafite e perceber que não havia nenhuma nuvem neles.

domingo, 12 de julho de 2015

Pra comer saudade

Sempre que Vicente viaja Valentina cozinha com mais frequência. Isso porque, desde pequena, Valentina aprendera com Dona Valquíria que cozinha é terapia. Enquanto corta temperos, experimenta sabores e quantidades de sal, Valentina esquece da saudade e corta e cura as dores.
Quando o que mais importa é se o molho ficou salgado o suficiente ou não, é possível para Valentina sentir sem se sentir só. Enquanto Vicente viaja, dessa vez sem data para volta, ela cozinha. Enquanto ele viaja, Valentina espera que ele volte, com um prato fumegante de lembranças.
Enquanto Vicente não volta, Valentina senta a mesa para o almoço.
Pra comer saudade com farofa.