quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Tuas mãos

De repente uma saudade imensa das tuas mãos. Delas acenando pra mim, me puxando pra perto de ti. Das tuas mãos segurando as minhas mãos, me convidando pra entrar, me alcançando um pote de sorvete. Aquele sorvete de morango que as tuas mãos serviam pra mim e que se lambuzavam de calda de chocolate.
-Coloco calda de chocolate por cima, né? - tu sempre perguntava.
Eu fazia sinal de positivo com a mão direita.
As tuas mãos que faziam café e cafuné, arrumavam a mesa, pegavam aquele livro que ficava na estante bem alto, aquele que as tuas mãos compraram e me deram de presente.
Saudade das tuas mãos pra não dizer, que na verdade, sinto saudade de ti.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Fim

Chovia muito naquela tarde de setembro. Da janela da casa da fazenda, Catarina via, por entre as grossas gotas d'água, mais um dia se acabando.
No rádio, tocava aquela banda gaúcha "chegamos ao fim do dia, chegamos quem diria".
Catarina suspirou e o cheiro do chá de cidreira lhe entrou pelo nariz e foi até o peito, aquecendo o coração.
Naquele dia cinza, as coisas estavam estranhas, mas volta e meia todo mundo tem um dia meio assim. Meio estranho. Quando a gente se sente assim: meio pela metade.
Catarina sabia que passaria porque depois de uma noite bem dormida, tudo passa.
A chuva começou a bater forte na janela, Catarina e a fazenda inteira ouviu um trovão e depois silêncio. A chuva parara por hora. A tempestade parara por hora. A dor no peito de Catarina parara por bem mais de hora.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Ufa

Depois de toda aquela agonia, depois de um peso e de uma dor de cabeça. Depois de eu já nem saber mais o que fazer, tu veio. Eu já não aguentava mais e pedia por você o tempo todo.

Depois de muito aguardo, de quase não aguentar mais de tanta falta. Depois de tempos, tu veio como prometido.

Depois de muito tempo então choveu.

domingo, 21 de maio de 2017

Silêncio composto

-Mariana, vem que o mate tá pronto! - gritou Dona Milena, puxando o xale mais pra perto do pescoço. O frio tava daqueles de renguear cusco e ao pegar a térmica do chimarrão o xale preto de bordados coloridos quis escorregar dos ombros da dona da estância.
-Pronto! - disse Mariana entrando correndo na cozinha. As bochechas estavam vermelhas por causa de três coisas distintas. Uma era pela correria de não deixar Dona Milena esperando. A segunda era o frio que cortava a pele clarinha da guria. A terceira tinha a ver com Rodrigo. Mas Mariana preferia não pensar no caso.
-Onde tu estava guria?
-Perto dos cavalos.
Dona Milena sorriu.
-Viu meu filho?
-Rodrigo?
-Foi o único que eu pari, Mariana.
-Ah, sim. Tava lá também. Disse que já vem, vai ficar mais um pouco com o Baio.

Se abancou um silêncio leve que durou umas três cuias de chimarrão. Foi então que entraram os dois ao mesmo tempo. Pai e filho. Antônio e Rodrigo.
-Tá, mas que silêncio estranho! - disse Antônio com aquela voz de trovão.
Mariana sorriu, sempre parecia que até as coisas respeitavam a chegada de Antônio. No primeiro "bom dia" de Antônio o chão de madeira  sempre tremia em respeito.

-Que estranho nada, Antônio - replicou Dona Milena- a gente tava naquele silêncio bom do chimarrão.

Era verdade, pensou Mariana. Mas é que ela também estava lembrando doutras coisas. Seu silêncio era composto de lembranças, diferente do silêncio de Dona Milena. Olhou para Rodrigo que estava distraído mexendo nas panelas pra descobrir o que ia ter de janta. Pelego se enroscou nos pés do dono que se abaixou para acariciar as orelhas do cusco. Mariana achou que o silêncio de Rodrigo também era composto de lembranças, mas não pode ter certeza.

Antônio que não era dado à silêncios começou a contar histórias da lida do dia. Dona Milena começou a rir do jeitão do esposo. Quando percebeu-se Mariana estava também a contar histórias e a rir alto. Depois de algum tempo, ao olhar para o lado percebeu também Rodrigo que a observava e aí teve certeza. Antes, o silêncio de Rodrigo também era composto de lembranças

sábado, 1 de abril de 2017

Casa de campo

Uns dois anos ou mais. Essa era a estimativa de tempo que Valentina fazia. Uns dois anos ou mais que ela não entrava na casa de campo. Estava tudo empoeirado e coberto de panos brancos. Brancos de cor e brancos de poeira. Enquanto o sol do fim do dia entrava pela janela enorme da sala de jantar, Valentina passeava os dedos indicador e do meio pela mesinha lateral. As mãos passavam e as lembranças iam junto. Jantares, almoços, alguns cafés da manhã.
Valentina, de repente, se perguntou porquê fazia tanto tempo que não visitava a casa de campo. Uma saudade imensa tomou conta do peito dela. Porém, não era uma saudade triste. Era saudade de ação. Valentina começou a tirar panos e poeiras, a arrastar móveis, a ligar para os amigos da época da casa de campo. De hoje não passaria. A vida voltaria para a casa de campo. A vida voltaria para Valentina.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Fio de linha

Enquanto eu te via puxar a linha para cima e de volta para o tecido eu me sentia bem. Sempre gostei de te ver costurar, ainda mais quando essa costura eram os ajustes finais do meu vestido de formatura.
-Gostou? - tu perguntou, terminando mais uma linha de pedras azuis.
-Tô amando! - exclamei.
Tu sorriu. O teu sorriso era mais lindo ainda que todos os vestidos que já tinha costurado e bordado durante todos estes anos.
-Obrigada, minha querida!
Retribui o sorriso. Logo o vestido estaria pronto. A formatura estaria acabada. Mas não toda a gratidão que eu sinto por você, ela será eterna.