quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Saudade antecipada e chá de amor

O céu tava meio cinza. Meio branco. Estava pálido, como Mariana.
-Ainda com dor de cabeça? De estômago? Tá com uma carinha amuada- disse Milena para jovem, enquanto ela tomava o café da manhã.
-Não, Dona Milena, tô bem melhor. Impressão tua.
-Deve ser- respondeu a matrona desconfiada.
Havia verdade ali. Mariana estava mesmo pálida. Branca feito giz. Mas a dor dela era de coração. Ela já sentia saudade da estância e nem tinha ido embora ainda. Ela já sentia a falta de Rodrigo e nem se despedira ainda.
-Bom, se me dá licença, criança, vou ajeitar umas coisas lá nos meus canteiros. Fica a vontade, Mariana- e Milena saiu.
Logo após, passos faziam o chão de madeira ranger. Rodrigo surgiu na porta da cozinha e aquela dor de coração rasgou mais um talho no peito de Mariana.
-Tem dores que chá de boldo não curam, Rodrigo. Descobri isso ontem.
Ele suspirou e depos riu tristemente.
-É. Não vi ainda chá que cure saudade.
-Se tivesse eu já tinha tomado. Ia tomar até voltar pra cá.
-Quem sabe tu não vai. Tu fica.
-Não posso ainda.
-E um dia?
-Um dia vou poder. Daí eu fico. Daí paro de procurar chá que alivie saudade.
-Tu sempre vai ter uma xícara de chá de amor feita por mim. Pra aliviar qualquer dor.
-Eu sei. Tu também sempre terá meu chá feito de amor, Rodrigo.
-Quando tu volta, Mariana?
-Logo. Antes que eu precise de mais chá de boldo.
Eles sorriram.
-O chá de boldo de ontem te fez bem?
-Fisicamente sim. Mas eu ainda preciso de um abraço teu pra aliviar meu peito.
-Vem aqui então.
Rodrigo puxou Mariana pra si e experimentou sua boca. Esqueceu-se que o pedido era de um abraço. Saboriou bem seus lábios. Tão doces e macios. Soltou-a.
-Desculpa.
-Melhor que chá de boldo- devolveu ela.
-Concordo.
Passos no chão de madeira. Seu Antônio, pai de Rodrigo, imponente como poucos, invadiu a cozinha.
-Vamos Mariana? Milena tá lá na frente já, pra te dar tchau. Vem Rodrigo, vocês se despedem lá fora.
Os dois se olharam. Sim, iam se despedir lá no quintal. Mas, felizmente, seria por pouco tempo.

Chá de amor

Batidas na porta de madeira escura.
-A mãe mandou te trazer chá de boldo - disse Rodrigo enquanto entrava no quarto de Mariana com uma caneca branca nas mãos.
-Obrigada- ela sussurrou com a voz rouca- Chá de boldo é bom pra dor de cabeça e de estômago? - perguntou.
-A mãe disse que é bom pra tudo. Até pra dor de coração - respondeu Rodrigo.
Sorriram. Silêncio.
-Acho que foi o churrasco do teu pai. Me embuchei- riu-se Mariana.
Rodrigo gargalhou.
-Tava bom mesmo- ele concordou.
Mariana sorriu.
-Quando eu voltar pede pro Seu Antônio fazer um churrasco desses de novo?
-Pode deixar. Agora, toma logo esse chá pra ficar boa duma vez.
Rodrigo lhe entregou a caneca.
-Tá. Que ele cure minha dor de cabeça, de estômago. E de coração.
Silêncio. Sorriram. Rodrigo afastou os cabelos negros de Mariana e lhe beijou a testa.
-Amém! Até logo, guria.
-Até!

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Aquele aroma

Ela sentia cheiro de cravo enquanto os lábios dele tocavam os dela. E ela nunca gostou tanto daquele aroma. Ela olhava pros lados e dava de cara com aquelas paredes, que ela gostava tanto, com o reflexo meio confuso dela, dele.
Ele a abraçava e ela sentia cheiro de cravo. E nunca ela gostou tanto daquele aroma.
Eles sentiam a respiração um do outro. O vento que vinha da rua.
E ela sentia o cheiro de cravo nas mãos dela. E nas dele.
E ela nunca gostou tanto daquele aroma.
E ás vezes ela fecha os olhos e sente aquele cheiro de cravo. Sente ele. E ela nunca gostou tanto de ser assim. De ser ela.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Tranquila

Conversar costuma ajudar. Ajudou um pouco Valentina. Agora ela não sente mais o peito tão pesado. Agora as costas estão um pouco mais leves. Os sorrisos mais largos.
Conversar costuma ajudar e tá ajudando a Valentina.
Tudo vai melhor, fica tranquila, Valentina, fica tranquila.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Juntos

Enquanto o som mais alto que se podia ouvir era o das gotas da chuva batendo no telhado os dois permaneceram abraçados. Grudados. Juntos. Braços. Mãos. Cabelos. Pernas.
Juntos. Juntas. Juntos. Juntas. Juntados.
Enquanto o som mais alto que se podia ouvir não era o das gotas da chuva batendo no telhado os dois permaneceram abraçados.
Depois de um tempo, os dois não estavam mais abraçados. Mesmo assim, permaneceram juntos. Juntados.
Unidos. Com chuva ou sem.

Amoras pro meu amor

Pedro veio equilibrando uma tigela de amoras como se sua vida dependesse disso. Alice estava esticada no sofá. Uma das pernas (e pé de meia listrada) apoiada na guarda do sofá vermelho.
-Amoras pro meu amor- disse Pedro rindo e sentindo-se o mais sagaz dos poetas.
-Genial- disse Alice se sentando como uma mocinha de respeito e enchendo a boca de amoras como um pivete mal criado.
Em seguida a jovem resmungou algo com a boca cheia. Pedro interpretou como um "Nossa! Que delícia!", mas podia ser qualquer outra coisa em qualquer outro idioma conhecido ou não.
Pedro foi até a cozinha. Quando voltou não havia sinal de amoras. Elas poderiam não ter passado de um sonho não fosse a tigela nas mãos de Alice e sua boca e queixo manchados.
-Gulosa.
-É feio recusar presente- ela respondeu limpando a boca com as costas da mão.
-É uma princesa mesmo. Quem disse que as amoras eram um presente?
-Quem disse que não eram?
-Droga.
-Venci- ela disse triunfante.
-Venceu- devolveu Pedro rindo- vou pegar mais presentes.
-Amoras?
-Sim. Amoras. Amoras pro meu amor.
Alice riu e esticou-se de novo no sofá. Fechou os olhos e esperou por mais amoras e pela volta do seu poeta. Meio desajeitado, mas seu poeta. Seu Pedro.