sexta-feira, 26 de julho de 2013

Das coisas que Mariana gosta de lembrar

Mariana gostava de salgueiros porque eles lhe recordavam Rodrigo e as tardes na estância. E como ela gostava da estância. E como ela gostava de Rodrigo! Suspirou. Será que ele lembrava dela? Porque Mariana lembrava dele. Quase todo dia. Quase toda hora. Tinha vergonha de admitir, mas lembrava. E era bom, porque ela sorria. Rodrigo a fazia sorrir sempre. Até quando se embrenhava em suas recordações.
Suspirou de novo. Que maldição! Que aperto no peito! Sua mãe diria que era fome. Correu pra dentro de casa e pegou um pedaço bem grande de bolo de milho. Que resolvesse. Se o bolo não ajudasse ela fazia um chimarrão.
Alguma coisa haveria de esquentá-la por dentro. Enquanto estivesse longe de Rodrigo.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Das coisas que Rodrigo gosta de lembrar

Rodrigo tirou as botas e sentou nas escadas da varanda. Era de tardezinha e o céu ganhava tons de rosa e laranja. Tudo era de uma beleza e tranquilidade que quase dóia.
Olhou para o velho salgueiro e lembrou de Mariana. Mariana e seu sorriso bonito. Mariana e seus olhos muito escuros. Mariana e sua boca...
-Rodrigo!- gritou Milena da sala de estar.
Ele deu um pulo e voltou a realidade. Voltou as escadas da varanda e a imagem de Mariana sumiu tão rápido quanto veio.
-Quê, mãe?
-Tem chima. Vem logo, tá esfriando.
Rodrigo olhou mais uma vez para o salgueiro. Recordou Mariana pela última vez e subiu as escadas com passados pesados. Pesados de saudade.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A última pizza

Anna repousou seus olhos de grafite sobre o último pedaço de pizza. Suspirou.
-Acho que vou explodir
-Não sei se é biologicamente possível- respondeu Edgar meio entendiado, meio triste, por conta de tudo que havia comido.
-Se eu explodisse tu que limparia tudo, Edgar.
-Então, por favor, minha Anna, não exploda.
Ela suspirou pesadamente.
-Estou me concentrando nisso.
-Eu agradeço- devolveu Edgar afastando o último pedaço de pizza e trazendo Anna para seu lado.
Ela deitou no colo dele.
-Eu, sinceramente, ainda acho que vou explodir.
-Quer um chá de qualquer coisa que ajude na digestão?
-Eu adoraria um chá de qualquer coisa que ajude na digestão, Edgar.
Ele começou a se remexer.
-Ei, cara, aonde você vai? - perguntou Anna.
-Ér, fazer o teu chá...
Anna resmungou. Para ter o chá, Edgar teria que sair do sofá, de perto dela.
-Pensando bem... Eu não vou explodir, tô ótima.
Edgar sorriu. Mas Anna não viu, só sentiu os dedos dele entre seus fios de cabelo.
-Que bom saber que está melhor- respondeu.
Anna riu.
-É ótimo estar melhor. Agora, não se atreva a se mexer, Edgar!
Edgar pirragueou, procurando sua voz mais séria.
-Sim, senhora- disse e beijou a testa de sua patroa.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

A chegada

Antônio chegou em casa. Fazendo barulho. As botas batendo no chão de madeira, anunciando o dono da casa. Antônio era grande, tinha uma aura em torno dele. Preenchia a sala, a casa, a estância inteira quando chegava.
Milena percebeu seu retorno. Correu até a sala. Correu para ele. Abraçou-o. Sentiu cheiro de campo, de suor e de Antônio. Ficaram ali por um bom tempo. Antônio sentia o perfume de Milena misturado com aroma de bolo de cenoura. Abriu um largo sorriso.
-Que saudade!- disse com sua voz alta.
Milena soltou-o para ver seu rosto. Sorria também, como o marido.
-Digo o mesmo. Fiz bolo de cenoura. Rodrigo comeu metade, mas o resto é teu.
Milena viu os olhos negros de Antônio brilharem.
-Primeiro mato as saudades de ti, depois penso em meios bolos de cenoura.
-Acho justo- respondeu Milena.
Assim sumiram-se os dois, pros lados do corredor. Deixando Pelego no meio da sala, abanando o rabo.

domingo, 7 de julho de 2013

Chá de bergamota

-Te fiz um chá de bergamota - disse Milena entregando a xícara ao filho.
Rodrigo pegou-a com as duas mãos. Bebeu quase tudo em um gole. A mãe falou que ele queimaria a boca desse jeito. Ele sorriu.
-Bem capaz, mãe! - respondeu ele.
Milena olhou para o filho. Tão parecido com o pai, mas ainda sim, tinha jeitos dela. Algo no sorriso ou nos olhos. Mas a teimosia era do pai, Antônio.
-Falei que chovia hoje, agora vai ficar aí, de resfriado.
Rodrigo olhou o fogo da lareira, não responderia a mãe. Apenas concordou e chamou Pelego para perto dele. O cachorro primeiro olhou para Milena, como que pedindo permissão, e depois foi-se faceiro para o colo de Rodrigo.
O fogo crepitava, convidativo. Lá fora, o vento uivava, rugia. Pelego rosnou.
-É só o minuano- disse Rodrigo, afagando as orelhas do bicho.
Milena sorriu. Só faltava Antônio ali, que tinha mania de viajar para tratar dos negócios ele mesmo.
-Mania chata- deixou escapar Milena em voz alta.
-Mãe?
-Nada, Rodrigo. Estou pensando alto. E tu, vê se toma todo esse chá. Não quero ninguém fungando nessa casa.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Fitas

Valentina olhou-se no espelho e franziu a testa.
-Será?- perguntou para a moça do reflexo.
A moça nada disse. Valentina suspirou. Fazia tempo que não emendava entre os cachos a fita vermelha de sempre. Não era coisa de criança? Não parecia uma idiota? Não?
-Não- disse a moça refletida no espelho.
Valentina riu enquanto desvencilhava o vermelho de seus cabelos.
Que besteira. Ora uma fita vermelha numa guria daquele tamanho! Que tomasse vergonha na cara! Olhou-se de novo. Lembrou do dia que ganhou a fita. Lembrou da última vez que a usara. No Natal passado. Lembrou de quem passara a noite com ela, acariciando seu rosto, seu cabelo e sua fita vermelha.
-Dane-se- disse enquanto repunha o enfeite.
Encarou seu reflexo mais uma vez. Se não podia ter aquela noite de novo, que tivesse a fita então.
Que se tenha as lembranças. Nem que elas sejam uma fita vermelha no cabelo.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Céu cor de nada

O mate estava acabando e o carreteiro quase pronto. O cheiro de almoço invadia a casa toda.
Era um sábado cinzento e pegajoso, mas o chimarrão e a companhia do cusco alegravam Milena. Ela passou os dedos longos pelas costas de Pelego e o bicho abanou o rabo, satisfeito.
-Tu não tem jeito- disse pro cachorro, que ela desconfiou concordar.
Levantou-se da cadeira de balanço. Olhou para o céu pálido. Sentiu saudades de um tempo que ela não sabia ao certo dizer qual. Suspirou. Lembrou do carreteiro, saiu correndo. As botas fazendo barulho pelo chão de madeira. Chegou na cozinha afobada.
-Hoje o carreteiro vai ter rapa, Pelego.
O cachorro abanou o rabo. Tudo bem, Antônio gostava de rapa de carreteiro. Mas cadê ele que não chegava? Já era quase hora do almoço!
Milena fez o caminho de volta até a sala. Pelego em seus calcanhares, quase entrando por sua saia. Ela sorriu, que bela companhia era aquele cão. Sentou-se em sua cadeira de balanço. E esperou por Antônio, sorvendo o restinho do chimarrão e olhando para o céu, cor de nada, daquele sábado.