terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Ainda falta

Confortável. Pernas esticadas em um sofá aconchegante de dar inveja em um sultão. A brisa da janela é perfeita. Há muitos motivos para fechar os olhos e abrir um sorriso. Mas falta um detalhe. Um só. Algo (alguém?) deveria estar ali também. Dividindo o sofá. Ocupando espaço. Preenchendo. Enchendo.
Mas falta. Por enquanto falta. Ainda não há quem esquente o que o vento vindo da janela esfria. Ainda não há quem a jogue contra as almofadas. Não há ali, naquela sala. Porém, esse algo (alguém?) existe. Tem nome e sobrenome. Só não pode ser chamado ainda.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Remoendo, recordando, mudando

Charlotte ainda estava abalada. Fora o primeiro cadáver que vira. Um corpo jogado, sem vida, numa sala qualquer. Com cheiro de sangue e morte. Ela não conhecia a vítima, porém seu corpo doía sempre que fechava os olhos e a cena voltava claramente em sua mente. Será que era pai de alguém? Amava alguém? Quem ficaria sem seus beijos naquela noite fria? Quem sentiria sua falta? Que lado da cama ficaria vazio? Que olhos ficariam vermelhos de tanto chorar?
A jovem sentia-se mal. Revoltada, triste, indignada e sem forças. Ao chegar na pequena sala de seu amigo Nikolai, Charlotte jogou-se no sofá e por lá ficou. Ela acha que chorou, não lembra direito. O vazio no peito era muito grande para ter certeza. Sentiu saudades imensas de quem nem lembrava que conhecia. Sentiu saudades de si mesma. De como era antes de ver um homem interne envolto em sangue. Morto.
Ela havia mudado. E não havia volta.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Engano


As unhas estava bem pintadas. De um esmalte escuro e meticulosamente aplicado. Os cabelos organizados. A roupa limpa. Bonita e clássica. A maquiagem combinando perfeitamente com tudo. Ela estava linda e adorável. Organizada e charmosa.
Por fora.
Já sua mente era uma bagunça. Nada organizada, nem limpa, nem perfeita. Era um nó, uma massaroca. Parecido com o cabelo dela ao acordar. Nada semelhante com sua aparência física. Que jovem agradável, pensavam todos. Coitados. Tão desavisados. Mas o que eles poderiam fazer? Ela tinha feito um ótimo curso de teatro. Enganava todos muito bem.
Inclusive a si mesma.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Entrelaçados

Segurei a sua mão. Porque eu não tinha o que fazer. Porque desejava fazer isso há muito tempo. Ficamos ali, naquele silêncio sem peso, tranquilo. Não consegui perceber o que você sentia. Não se podia ler nada nas suas feições. Porém, sua mão continuou na minha. Bem firme. Não pude evitar um sorriso. Eu até tentei, juro. Mas não consegui. Sorri e você arqueou a sobrancelha. Tão bonito. Meu sorriso cresceu. E você franziu a testa. Continuou lindo, desgraçado!
Comecei a gargalhar. Você me olhou. Duvidando da minha sanidade mental. Antes de começar a rir comigo. Até perdermos o fôlego.
Porém, sem soltarmos as mãos.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Arte de provocar

Uma rede em uma imensa varanda. Anna e Edgar deitados nela. As pernas entrelaçadas. Os cabelos de Anna descendo pelo tecido a fora, os de Edgar balançando com a brisa. 
-Preciso te dizer algo, Anna.
-Eu sei que me ama, Edgar. Poupe-me do óbvio.
-Na verdade, eu ia dizer tu tinha engordado. 
Anna arregalou seus olhos cinzas. Edgar explodiu em gargalhadas. A rede balançando violentamente. A crise de riso cessou quando os dedos de Anna desenharam um tapa no rosto de seu amado. Que ficou sério. Que transformou a agressão em amor. O tapa em beijo.
Ah, nada como provocar quem se ama. 

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Desenferrujando


Valentina sorriu. Os cantos de sua boca doeram. Há tempos que ela não fazia isso. Sorrir. Massageou os cantos dos lábios com os dedos finos. Desenferrujou os músculos da alegria. Um a um. Até o sorriso não doer mais. Até nada doer mais. Até que sorrir fosse mais fácil que piscar e mais necessário que respirar.
Até tudo ficar bem.