sábado, 16 de junho de 2018

Depois

Eu te vi esses dias. Muitos anos depois da gente, eu te vi passando numa manhã fria demais em um julho desses que fazem a gente não querer sair da cama antes das 10h.
Eu sei que tu estás curioso por isso vou te contar.
Tu estavas de costas com uma jaqueta cinza muito feia e parecia estar com pressa. Seu semblante era de preocupação e tu estavas de fone de ouvido.
Não me viu, tenho certeza. E escrevo essa carta sem certeza de que vou enviá-la. Talvez eu só esteja precisando muito contar isso pra ti mesmo sabendo que tu não merece que eu gaste nem tempo nem tinta de caneta ou muito menos papel com você.
Aliás, onde tu mora agora? Já nem sei mais. Não poderia te enviar essa carta e nem o VÁ SE LASCAR que eu tanto deixei preso na minha garganta.
Caso eu mande a carta saiba que a jaqueta é realmente feia e seria interessante não usar nunca mais. Eu gostava daquela de jeans ou a de couro. Mas gostos mudam. Eu gostava de você, por exemplo.
Caso tu leia essa carta por engano ou por destino saiba que agora não dá mais, independente da jaqueta que tu use ou da música que tu escolha pra tocar.
Mas... Eu acho que não vou enviar essa carta, então tudo bem.
A jaqueta vai continuar cinza e feia. E tu vai continuar preocupado ouvindo músicas e andando sem olhar pros lado.
E eu vou continuar seguindo.
Abraços.
V.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Movimento

Já havia passado das 18h e naquela época do ano o sol já tinha ido para bem longe dali e um vento fresquinho balançava as folhas da figueira ao lado.
Os dois estavam sentados, um ao lado do outro, no banco de madeira velha da Dona Carmen. A Dona Carmen não estava ali, só o banco dela. O banco dela e os dois sentados no banco. Se perguntassem para ele (mas ninguém perguntou) ele sentia o cheiro doce e quente da pele dela. Se perguntassem para ela (mas ninguém perguntou) houveram alguns silêncios constrangedores entre os dois. Nada que durasse muito, mas vocês conhecem os silêncios constrangedores: dez segundos equivalem a dez anos.

-Bom, eu vou indo então...
-Tá...
-Se quiser eu fico mais um pouquinho, tô sem horário hoje
-Eu ia gostar.
-Tá...

Ninguém se moveu. Nem mais o vento que soprava antes se atreveu a se mover. As luzes de segurança (que se alguém me perguntasse eu diria que eram ativadas por movimento) se desligaram. Os dois ficaram ali imóveis. Porém, se batimentos cardíacos ativassem luzes por movimento era bem provável que quem visse de longe poderia imaginar que havia um show de luzes ali por perto.

Atchim! 

As luzes de movimento se acenderam.
-Saúde.
-Obrigada.

Dez anos se passaram.

-Eu vou indo então
-Eu também então.

Aí eles se foram. O vento voltou a soprar logo em seguida. O banco da Dona Carmen continuou no mesmo lugar.
Naquele dia nada mudou. Mas parecia que tudo tinha mudado.