sexta-feira, 30 de março de 2012

Café e hortelã, hortelã e café.

Naquela tarde de outono o vento brincava com as folhas do velho salgueiro enquanto Miranda esperava Roberto aparecer. Ela já esticara a velha toalha xadrez para o piquenique e posicionara a cesta cheia de guloseimas á um canto sombreado. Ao fechar os olhos ela sentiu a brisa dançar em seu rosto e jogar fios do seu cabelo ruivo para frente. Sentiu cócegas na bochecha e abriu os olhos rindo. Bem a tempo de ver Roberto surgindo ao longe. Como ele ficava bonito naquela camisa xadrez... Como doía a Miranda não poder dizer isso a ele. Ela suspirou uma, duas vezes, enquanto ele se aproximava. O sorriso dele aumentando à medida que a visão do piquenique e de Miranda ficavam mais nítidas. Ela usava o vestido verde que, certa vez, Roberto lhe dissera que combinava perfeitamente com seu tom de pele e seus olhos. Miranda rira naquela ocasião e discordara. Mas Roberto não pode deixar de perceber como ela começara a vesti-lo mais vezes depois disso. Seria um sinal de Miranda para ele? Um sinal de quê? Que ela apenas concordava que o vestido lhe caía bem? Ou algo mais? Do quê a mais?
-Oi- cumprimentou Roberto sentando-se ao lado de Miranda. Ela tinha um leve cheiro de hortelã. Roberto riu. Já sabia do que era feito o chá que ela provavelmente trazia na cesta- Achei que traria café.
-Trouxe os dois- riu Miranda sabendo que ele já sentira o cheiro de hortelã.
Roberto adorava chá de hortelã. Na verdade era um dos poucos chás que ele realmente suportava beber. Os outros Miranda empurrava para ele. E Roberto, como um bom amigo e cavalheiro exemplar, não recusava. Bebia corajosamente as misturas estranhas da amiga. “Tudo por você” ele sempre dizia antes de bebericar. O que fazia Miranda derreter-se por dentro. Não que ela assumisse isso de fato...
-E o que mais?- perguntou Roberto.
-Bolo de cenoura.
-Meu favorito
-Eu sei- admitiu ela olhando para o lado. Esperando que a sombra do salgueiro ocultasse satisfatoriamente o rubor em seu rosto.
-Chá de hortelã, café e bolo de cenoura? O que mais eu poderia desejar?- riu Roberto, apesar de ele saber exatamente o que mais...
-Você poderia desejar se responsabilizar pela refeição da próxima vez... - disse Miranda voltando a olhar para Roberto.
-Próxima vez?- perguntou ele.
Aquele não era o primeiro piquenique dos dois. E ele riu por dentro ao saber que Miranda não desejava que fosse o último.
-Você não se livrará tão fácil de mim, desculpe- disse Miranda puxando a cesta para o centro da toalha. Posicionando-a entre ela e Roberto.
Ao colocar as mãos dentro da cesta para começar a retirar os itens do piquenique Miranda sobressaltou-se ao sentir as mãos de Roberto sobre as dela. Ele costumava ir tirar fotos da paisagem enquanto ela organizava as coisas sobre a toalha. Hoje resolvera ajudar. Ela não esperava por isso. Ao erguer os olhos e perceber que Roberto a encarava seu coração esqueceu-se como bater. “Que clichê” ela conseguiu pensar antes que ele aproximasse tanto dela á ponto de os lábios dos dois se tocarem, por um breve instante. Logo após Roberto já estava em sua posição original. A cesta entre os dois e ele remexendo dentro dela em busca de qualquer coisa. Miranda piscou duas, três vezes. Aquilo acontecera mesmo?
-Gosto de hortelã- disse Roberto.
-Hum?- ele estava falando dela? Ela tinha gosto de hortelã?- Gosto de café- respondeu ela sorrindo ao ver que sim. Ela tinha entendido, ele falava dela. E ela dele. Roberto tinha gosto de café.- Gosto muito de café.
-E eu de hortelã- respondeu Roberto- Por acaso não tem mais aí, não?

quinta-feira, 29 de março de 2012

Explicando para você mesmo

Bentinho sempre esteve apaixonado por Capitu. Mas precisou ouvir José Dias dizer isso a seus familiares para realmente se dar conta disso. O mesmo acontece quando se está com sentimentos confusos e você escuta uma música há muito tempo esquecida. O compositor da canção parece conversar com você e explicar sua situação (para você mesmo!) em detalhes. Iluminando seu cérebro e fazendo seu coração bater mais forte. É, algumas vezes a visão de alguém "de fora" pode lançar luzes sobre problemas que a primeira vista são obscuros, porém, como tudo na vida, tem sim uma solução.

sexta-feira, 23 de março de 2012

A volta

-Sherlock, estamos novamente sem leite- digo após vasculhar a geladeira.
-Hummm- eu ouço dizer.
Sem me virar posso vê-lo esticar-se preguiçosamente no sofá, vestindo seu roupão azul, totalmente entediado. Porém ele não estava lá. Havia muito tempo...
Eu estava vendo coisas, ouvindo sua voz e imaginando quais seriam suas reações, mas ele não estava ali. Desde o dia em que ele... Sacudo a cabeça, jogando o pensamento para longe. Afinal, o que eu fazia aqui? No flat, no 221b, na Baker Street...?
Eu tinha dito a Mrs Hudson que não voltaria... E agora eu estou aqui, há dois dias. Não sei o que me trouxe de volta após tanto tempo. O que sei é a falta que meu amigo faz não diminui. E pela segunda vez hoje ouço sua voz. Desde que voltei á Baker Street tenho tido esses lampejos. Misturas finas de memórias e delírios. Mas o que eu espero? Estou aqui onde tudo lembra nossas aventuras. Olho para os arranhões na mesa, o crânio, os papéis em cima da mesa. Um nó forma-se em minha garganta.
Certa vez Mycroft disse que eu sentia falta da guerra, o que poderia até ser verdade, mas nada comparado ao que sinto agora. Sozinho aqui. Esperando que Sherlock abra a porta bruscamente, com aquele brilho nos olhos que carregava somente quando tinha um caso urgente a solucionar. A mente de Sherlock rebelava-se á estagnação e meu coração luta violentamente para manter-se funcionando sem sua companhia. Porque eu acredito nele. Sempre acreditarei no meu melhor amigo. E de certa forma ainda espero seu retorno. Suspiro ao mesmo tempo que engulo o enorme nó que insiste em manter-se em minha garganta. Levanto em um salto. O que faço aqui afinal? Me torturando. Ouvindo a voz de Sherlock em cada canto. Vendo-o em cada cadeira, poltrona, em toda parte!
Então ouço passos hesitantes vindos da escada. Provavelmente Mrs Hudson trazendo uma bandeja com o chá. Já é hora do chá? Quanto tempo passei aqui sentando? Mas não ouço o tilintar da porcelana. E os passos não são tão hesitantes ou leves, como costumam ser os de Mrs Hudson. Seria Lestrade? Ou Mycroft? Souberam que estou aqui e... E o que?
De repente o som de passadas acaba. Quem quer que seja está atrás da porta fechada. Hesitando. Lestrade e Mycroft não são do tipo que hesitam, penso enquanto a maçaneta é girada lentamente. Tão lentamente que me pergunto quanto tempo eu permaneço imóvel a observando.
Finalmente a porta é aberta. E o que vejo faz minhas pernas tremerem e eu preciso me apoiar na parede para não cair.
-Jesus!- exclamo.
-Não, John. - disse Sherlock sorrindo- Sei que deve estar decepcionado porque achou que era Mrs Hudson com o chá, mas não se preocupe, ela vem logo em seguida. Agora, onde está meu violino?


Fanfic inspirada nos personagens de Sir Arthur Conan Doyle e na adaptção dos mesmos pela BBC.