terça-feira, 30 de agosto de 2016

Chá de Qualquer Coisa

Eram passados das 18h e Pedro já havia colocado as folhas do Chá de Qualquer Coisa que tinha encontrado na gaveta para ferver. Sabia que com aquela chuva, alguém precisaria muito de um Chá de Qualquer Coisa bem quente.

-Argh! Essa chuvarada não dá pra querer! - anunciou Alice entrando em casa ensopada de chuva e brabeza.

-Eu disse que era pra levar um guarda-chuva - respondeu Pedro servindo Chá de Qualquer Coisa na xícara favorita de Alice e a pondo em cima da mesa.

-Pffff - fez Alice pegando a xícara favorita dela e cheirando a fumaça de Chá de Qualquer Coisa.

Depois de um tempo, largou a xícara favorita na mesa novamente.

-Não vai beber? - perguntou Pedro

-Não

-Não seja teimosa, Alice.

-...

-Não vai me responder?

-...

-Então bebe o Chá!

-Não

-Tu só sabe falar "não", Alice?

-Não - ela disse gargalhando.

-...

-Qual é, Pedro foi engraçado, vai!

-...

-Pedro?

-...

-Tá, eu bebo  o Chá!

-Essa é minha garota.

domingo, 21 de agosto de 2016

Cheiro

Cheiro de roupa de cama limpa sempre fez Anna sorrir. Naquela noite fria, não foi diferente. Depois de um dia bem cansativo e produtivo também, ela resolveu que merecia roupas de cama limpas e cheirosas. Colocou as cobertas de lado, trocou lençóis e fronhas, organizou cobertas e se jogou na cama.

Fechou os olhos e respirou fundo o cheiro da fronha branca e perfumada. Soltou um grande "hmmmmmmmmmmmmmmm!" de satisfação. Foi como uma parabenização pela ideia genial que teve de trocar as roupas de cama antes de deitar. Cinco minutos depois veio Edgar, deitou-se ao seu lado. Anna então percebeu que havia algo que a fazia sorrir mais que cheiro de roupa de cama limpa. Era cheiro de Edgar.

-Nossa, teu cheiro é melhor que de lençol e fronha limpos - quem disse isso, por mais absurdo que seja, foi Edgar, fazendo Anna sorrir.

-Faço tuas as minhas palavras - ela respondeu - e melhor que amaciante é ser amaciada por você.

Ninguém achou o trocadilho maravilhoso, nem Anna, nem Edgar. Mas quem precisa de trocadilhos bons quando se tem amor e roupa de cama limpa?

Não deixa o café esfriar

Faz tempo que eu tento te escrever algumas linhas, Pedro. Da última vez eu nem me lembro o que eu te disse. Parece que faz mais tempo do que eu acho ou não? Quando tu não tá aqui o tempo passa de uma forma estranha, Pedro. É tipo esperar muito, mas sem ter tempo para fazer nada.
Como eu sei que tu volta e que tu sempre responde, eu te envio essas cartas, Pedro. Mas que fique claro que eu não gosto de ter que enviá-las, elas significam que tu está longe e que eu não posso dizer as coisas que quero, Pedro, olhando nos teus olhos verdes.
Eu tenho muitas coisas, Pedro. Dentre elas saudade de ti. Amor por ti.
Tenho paciência também. Por isso eu te espero.

Já sabe, né?
Não demora. Café frio fica ruim.
Com amor,  saudade e vontade de tomar café
Alice.

domingo, 12 de junho de 2016

Noite curta e vida longa

Os dois dormiram pouco na noite passada. Mas não porque estavam fazendo uma clássica maratona de séries. Não era porque ficaram olhando meia dúvidas de filmes ou porque a janta atrasou. Eles foram deitar cedo, mas o sono veio tarde, quase na hora de acordar.
Os dois dormiram pouco de ansiedade para o dia seguinte. O dia em que ele chegou primeiro, de terno. E ela uns vinte minutos depois, de vestido. Branco. Nas mãos, um buquê de flores de maracujá.
Nesse dia, era de manhã cedo, eles trocaram uns anéis, disseram uns "sim" e pessoas de várias cidades, da família ou não, jogaram arroz nos dois.
Depois teve dança, brindes e bolo. Muito bolo, aliás.
Mais tarde teve amor, teve carinho.
E pra sempre: teve uma vida feliz, com trancos, com barrancos, mas, principalmente longa e feliz.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

As cartas voltaram

Eu só tô te escrevendo, Pedro, pra avisar que o dia, mesmo cinza, parece mais bonito quando lembro que verei teus olhos à noite. Eu sei que não tem mais nada ver essas coisas de escrever carta e deixar em cima da mesa, mas eu ainda acho bonito, então, continuo te escrevendo. Sei que tu gosta de cartas, tanto quanto eu gosto de ganhar chocolate quando volto cansada do trabalho.
Aliás, faz tempo que não encontro nenhum bombom em baixo do meu travesseiro. Foi só uma coisa que eu lembrei agora, Pedro. Nada demais...
Bom, voltando ao assunto, é só pra dizer que te amo e que voltarei com as cartas.
Pode voltar com os bombons.
E obrigada por sempre colorir os meus dias, até os mais cinzas.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Obra e artista

Já passava da meia noite e o artista continuava admirando sua obra de arte. Todos sabiam que aquela era sua obra prima e entendiam a paixão do artista pelo resultado final. Entendiam que ele passasse horas adulando, cuidando, limpando, admirando e amando. Longe ou perto da obra, o artista sempre expressava seu amor.
-É a coisa mais linda do mundo - ele dizia pra quem lhe perguntasse e pra quem não perguntasse também.
Enquanto ele alisava sua obra de arte, nessa noite fria, ela abriu os olhos, o artista sorriu e disse:
-Oi, filho!

terça-feira, 26 de abril de 2016

Agradecimento aos tomates

Eles se conheceram escolhendo tomates. Lembro dos dois perfeitamente. Ela estava com uma sacola com dois tomates em uma das mãos e a testa franzida porque não encontrava quase nenhuma fruta* que lhe agradasse. Ele veio com a sacola vazia e bateu o ombro no dela, pediu desculpas, ela sorriu desajeitada, pega de surpresa.
Os dois conversaram sobre o frio que fazia e sobre como os tomates da semana não estavam bons. De repente, descobrem que são vizinhos, moram na mesma rua e as empresas onde trabalham são no mesmo bairro. Sorriem e combinam de ir escolher mamão depois de terminarem de encher as sacolas dos tomates. Eu abro um sorriso e espero que venham até mim para que eu pese as frutas. Os dois são educados, dão boa tarde, sorriem e agradecem. Saem do meu alcance falando que o mamão estava bem melhor que o tomate, realmente.
Acho que ouço ele dizer algo sobre dar uma carona pra ela, afinal, moram na mesma rua. Não ouvi a resposta dela. Mas agora, alguns anos depois, todo o final de semana, eu peso os tomates e o mamão que os filhos deles trazem até mim.




*Sim, caro leitor, tomate é uma fruta, pasme.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Mais de meia hora

Era uma confusão de sons, de cheiros e de luzes. Os motores grunhiam, as rodas passavam e eu olhava ao redor. Tinha gente pra mais de metro, como diriam os antigos. Muitas se abraçavam, outras se beijavam e umas berravam "rodoviária, última parada!". E eu te procurava. Fazia meia hora que eu estava ali, de pé, procurando em cada par de olhos os teus.
Eu tinha chegado um pouco antes, é bem verdade, mas sempre me disseram que é deselegante fazer outra pessoa esperar. Mas, mesmo assim, eu esperava. Nunca fiz os outros esperarem, porém eu estava ali, te esperando fazia mais de meia hora.
De repente eu senti um sobressalto. Não tinha confirmado tua vinda e se não fosse hoje? Fosse no outro feriado? E se tu tivesse desistido de vir? De mim? O que eu faria com aquele bolo de cenoura que ainda estava quente e que eu prepara pra ti? O bolo eu comeria, mas e o aperto no peito? A gente engole com lágrimas? Não sei. Não sabia o que fazer. E nem saberia.
Porque quando achei que meu peito ia rachar de angústia tu veio.
Vi teus olhos entre malas, ombros, costas de outras pessoas. Aí eu soube certinho o que fazer com o bolo de cenoura, com o meu coração batendo forte e com os meus pés que começaram a correr em tua direção.
Mas a quanto tempo eu estava ali? Fazia bem mais de meia hora. Dane-se! Finalmente a espera terminara.

domingo, 3 de abril de 2016

Domingueira

Deitada na espreguiçadeira, Valentina se perguntava como o céu poderia estar tão azul naquele dia.  Largou o livro de lado, suspirou e fechou os olhos por algum tempo. Sentiu uma saudade estranha, que ela não tinha muita certeza do quê ou de quem. Abriu os olhos rapidamente. Melhor interromper antes que cresça. Mas aí uma moleza tomou conta do corpo dela. Um relaxamento bem de domingo, depois do churrasco e o corpo foi caindo em sono leve, os braços ficando leves, o livro e o céu azul distantes.
Quando acordou o céu azul tinha mais nuvens do que antes, um beija-flor beijava umas flores vermelhas e alguém chamava por ela. Era algo referente a sobremesa. Hum, então era importante. Valentina pegou o livro, a fome e a vontade de descobrir o que era a sobremesa e entrou em casa. Ainda com o relaxamento de antes, mas sem a saudade de outrora.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Outono de Anna

Quando o outono começava é que Anna podia sentir que era ela mesma.  Os seus cabelos cor de folha de plátano que despenca da árvore, pareciam mais vermelhos ainda nessa época do ano. Seus olhos adquiriam um brilho novo, bem típico daqueles que tinham amor pela vida.
Anna ficava toda nova e ainda mais linda no outono. Era nessa estação que ela se fazia flor e florescia de dentro pra fora e de fora pra dentro, ela sempre se encontrara no outono.
Sorrindo, agarrada na caneca de porcelana, ela lembra da época de criança, em que rolava os cachos de fogo em cima dos plátanos caídos e os cabelos se misturavam com as folhas e faziam de Natureza e de Anna uma coisa só.
Eram impossível para ela não amar o outono, porque o outono era ela. E Anna aprendera, com o passar do tempo, a se amar.

domingo, 20 de março de 2016

A caixinha

Uma caixinha em cima da mesa da cozinha fez o coração de Alice disparar. Ela era quadrada, pequena e forrada de veludo vermelho. Ah, não..., pensou ela. Olhou ao redor em busca da única pessoa que poderia ter colocado ela ali.
-Pedro? - chamou.
Nada.
-Ô, Pedro, foi tu que colocou essa caixa aqui? - tentou mais uma vez, sem resposta.
Ai, que agonia, pensou Alice. Será que era pra ela? Olhou para sua mão direita, mas será, hein?
Depois a pôs no coração. Era melhor esperar pelo Pedro. Vai que não era para ela, poderia ser um presente para mãe de Pedro, que estaria de aniversário em alguns dias.
Foi com dificuldades, passos cheios de curiosidade relutante, sentar na sala.
Quando Pedro chegou ela batia os pés com força no chão e fingia se interessar muito pelo que passava na televisão, mesmo não fazendo ideia do que era.
-Oi - ele disse.
-Oi! - ela berrou
-Tá tudo bem, Alice?
-Tá... E contigo? - continuou antes que ele respondesse- tem uma caixinha ali em cima da mesa da cozinha, acho que tu esqueceu.
-É pra ti - ele respondeu.
Um calor frio e um frio quente tomaram conta do peito da Alice. A palavra "socorro" se formou na mente dela.
Correu para abrir a caixa, quase tropeçando no tapete da sala. Quando a abriu, suspirou.
-Jura? - ela perguntou sorrindo
-Eu sabia o quanto tu queria. Eu não pude resistir quando encontrei - Pedro abriu um largo sorriso.
-Um anel do humor, finalmente! - Alice dançava pela sala segurando a caixinha aberta.
Pedro sorriu. Sabia que com aquele presente em mãos, o humor de Alice seria sempre o melhor possível, e, com certeza, esse era o melhor presente de namoro para ele.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Veraneio de Anna

O Sol queimava muito, mas Anna estava protegida pelo seu chapéu de feltro maravilhosamente chique, como ela costumava dizer. Edgar ainda não chegara, mas ela não se importava, o que ela queria era aquele barulhinho de paz que o mar trazia e levava com as ondas.
Enquanto suspirava e sentia que o suor escorria pelo seu corpo, por milagre, não se importava com o calor. Enquanto tivesse a imensidão do mar bem pertinho dela, poderia fazer quanto calor o Sol decidisse.
E pelo jeito o Sol queria fazer calor e o mar queria fazer paz. E os dois conversavam, enquanto Anna suspirava.
Era bom ter um dia a mais para aproveitar essa sensação de que o Sol queria fazer a vida mais feliz e não mais quente e insuportável.
Enquanto agradecia a paz do Sol e a tranquilidade do mar, Edgar apareceu sorrindo. E aí sim, o veraneio da Anna estava completo.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Assunto sério

Mariana era sempre sorridente, mas, ao fazer um chimarrão seu rosto cor de terra ficava sério demais. Rodrigo tinha vontade de sair correndo ou fazer cócegas nela até que o sorriso que ele tanto admirava voltasse a surgir de seus lábios rosados. Vê-la séria sempre apertava um pouco o peito dele.
-Cevar um chimarrão é importante, Rodrigo! - um dia ela reclamara quando ele dissera que ela ficava séria demais nesses momentos.
Mas realmente, Rodrigo não poderia reclamar mesmo. O sorriso de Mariana voltava aos lábios assim que ela estendia a cuia e dizia
-Aceita um?
-Todos! - costumava responder Rodrigo.
Nessas horas dona Milena, mãe de Rodrigo, revirava os olhos e o pai de Rodrigo, seu Antônio gargalhava alto. Era sempre a gargalhada alta de Antônio, que fazia a casa da estância tremer, que obrigava os dois jovens voltarem a realidade e pararem de tanto mel.
-Bah, tu fica séria, mas fica bem bom esse mate! - disse Antônio.
Mariana sorriu como agradecimento. Um sorriso que vinha d'alma também.
Em pouco tempo dona Milena, contando com Mariana, finalizava o carreteiro. Seu Antônio, depois de dez mates que ainda considerava bem bons, saíra pra tratar de assuntos da estância e Rodrigo ficara com o coração na cozinha da estância e o corpo a cavalgar com o pai. Ele fingia que negociava, que concordava, que penchichava. Torcendo pra que quando chegasse em casa de novo, encontrasse Mariana fazendo qualquer outra coisa que não fosse chimarrão, para receber seu sorriso, logo na entrada.