terça-feira, 26 de abril de 2016

Agradecimento aos tomates

Eles se conheceram escolhendo tomates. Lembro dos dois perfeitamente. Ela estava com uma sacola com dois tomates em uma das mãos e a testa franzida porque não encontrava quase nenhuma fruta* que lhe agradasse. Ele veio com a sacola vazia e bateu o ombro no dela, pediu desculpas, ela sorriu desajeitada, pega de surpresa.
Os dois conversaram sobre o frio que fazia e sobre como os tomates da semana não estavam bons. De repente, descobrem que são vizinhos, moram na mesma rua e as empresas onde trabalham são no mesmo bairro. Sorriem e combinam de ir escolher mamão depois de terminarem de encher as sacolas dos tomates. Eu abro um sorriso e espero que venham até mim para que eu pese as frutas. Os dois são educados, dão boa tarde, sorriem e agradecem. Saem do meu alcance falando que o mamão estava bem melhor que o tomate, realmente.
Acho que ouço ele dizer algo sobre dar uma carona pra ela, afinal, moram na mesma rua. Não ouvi a resposta dela. Mas agora, alguns anos depois, todo o final de semana, eu peso os tomates e o mamão que os filhos deles trazem até mim.




*Sim, caro leitor, tomate é uma fruta, pasme.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Mais de meia hora

Era uma confusão de sons, de cheiros e de luzes. Os motores grunhiam, as rodas passavam e eu olhava ao redor. Tinha gente pra mais de metro, como diriam os antigos. Muitas se abraçavam, outras se beijavam e umas berravam "rodoviária, última parada!". E eu te procurava. Fazia meia hora que eu estava ali, de pé, procurando em cada par de olhos os teus.
Eu tinha chegado um pouco antes, é bem verdade, mas sempre me disseram que é deselegante fazer outra pessoa esperar. Mas, mesmo assim, eu esperava. Nunca fiz os outros esperarem, porém eu estava ali, te esperando fazia mais de meia hora.
De repente eu senti um sobressalto. Não tinha confirmado tua vinda e se não fosse hoje? Fosse no outro feriado? E se tu tivesse desistido de vir? De mim? O que eu faria com aquele bolo de cenoura que ainda estava quente e que eu prepara pra ti? O bolo eu comeria, mas e o aperto no peito? A gente engole com lágrimas? Não sei. Não sabia o que fazer. E nem saberia.
Porque quando achei que meu peito ia rachar de angústia tu veio.
Vi teus olhos entre malas, ombros, costas de outras pessoas. Aí eu soube certinho o que fazer com o bolo de cenoura, com o meu coração batendo forte e com os meus pés que começaram a correr em tua direção.
Mas a quanto tempo eu estava ali? Fazia bem mais de meia hora. Dane-se! Finalmente a espera terminara.

domingo, 3 de abril de 2016

Domingueira

Deitada na espreguiçadeira, Valentina se perguntava como o céu poderia estar tão azul naquele dia.  Largou o livro de lado, suspirou e fechou os olhos por algum tempo. Sentiu uma saudade estranha, que ela não tinha muita certeza do quê ou de quem. Abriu os olhos rapidamente. Melhor interromper antes que cresça. Mas aí uma moleza tomou conta do corpo dela. Um relaxamento bem de domingo, depois do churrasco e o corpo foi caindo em sono leve, os braços ficando leves, o livro e o céu azul distantes.
Quando acordou o céu azul tinha mais nuvens do que antes, um beija-flor beijava umas flores vermelhas e alguém chamava por ela. Era algo referente a sobremesa. Hum, então era importante. Valentina pegou o livro, a fome e a vontade de descobrir o que era a sobremesa e entrou em casa. Ainda com o relaxamento de antes, mas sem a saudade de outrora.