quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Agridoce


Abri meu estojo apressada, precisava de uma caneta com urgência. Pressão, stress. Caneta! Caneta! Onde estava a maldita da caneta? Então, eu vi algo que fez desmanchar todo esse nervosismo. Algo bem simples. Tão pequeno quanto seu significado. Um papel de bombom. Embalagem rosa escuro. Amassada e nos confins do meu estojo.
Sorri feito uma boba. Olhei para os lados. Cogitei mostrar para alguém. Explicar o que aquele papelzinho representava. Mas ninguém compreenderia. Então, guardei-o com cuidado, no meio das canetas e do lápis. Deixei-o repousando no seu devido lugar. Onde ele valia mais que muita joia. Onde ele era doce como uma lembrança e amargo como a saudade.
Fechei o estojo e o deixei por ali, meu pequeno papel agridoce.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Nota sobre telefonemas, meias vermelhas e coelhos brancos

O telefone tocou, acordando Alice de um sonho que envolvia coelhos brancos e uma mesa enorme de chá.
-Alô?- atendeu ela, meio tonta, meio perdida, totalmente sonolenta.
-Achei sua meia- era Pedro, do outro lado da linha. Com a voz feliz de quem já estava acordado fazia eras.
-Ah- limitou-se a dizer Alice.
Pedro bufou do outro lado da linha, provocando um chiado que serviu como despertador para a jovem.
-Estou indo buscá-la- disse ela, olhando em volta. Talvez procurando onde deixara cair sua preguiça, que sumira de repente.
-Quem?
- A meia.
-Ah.
Alice bufou, produzindo um chiado que não serviu de despertador para Pedro, pois ele já estava acordado.
-Idiota, chego em 10 minutos.
-Não se atrase, Alice. Já é tarde- disse Pedro.
Por alguns segundos Alice viu um coelho branco, vestindo um  paletó, lhe mostrar um relógio dourado de bolso.
-Que estranho- disse ela, mais para si do que para Pedro.
Então, desligou o telefone, arrumou-se e foi para casa do seu namorado. Antes que resolvesse começar a conversar com o coelho. Ou pior, ele responder.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Sozinho ou nem tanto

Pedro entrou no quarto abafado e imediatamente foi atacado pelo aroma de perfume doce que impregnava todo o ambiente.
-Alice...
Era o cheiro dela. Ele tinha certeza. A garota tinha ido embora, mas fizera questão de ficar. O perfume ficara, uma meia vermelha ficara, um botão de casaco ficara. Ela ficara. Todo aquele apartamento era ela agora.
-Danadinha- murmurou Pedro rindo e pegando a meia esquecida.
Dos males, os menores: Alice voltaria para buscar o que deixara. E agora, eles sabiam onde fora parar a bendita meia perdida.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Um ensaio sobre a saudade

Se enroscaram, Edgar e Anna, como há muito não faziam. O cheiro de tulipas das fronhas e dos lençóis perfumava o quarto. Edgar puxou as cobertas e Anna para si. Anna deixou-se ir, junto com cobertas,  fronhas e o aroma de tulipas.
O vento balançava a cortina branca, o Sol entrava timidamente pela janela. Parecia que o astro rei não estava a fim de incomodar o casal que matava a falta um do outro.
A manhã foi crescendo, morrendo e querendo nascer como tarde. Já era hora da despedida. Fizeram questão de dizer "até breve". Anna fez Edgar prometer que não deixaria mais esse poço chamado saudade afundar-se tanto. Edgar riu e disse que ela não se livraria tão facilmente dele. 
Mais alguns beijos e a despedida de início da tarde, acabou-se só à noite. 

domingo, 25 de novembro de 2012

No outro dia


-Cafééééééé- berrou Pedro da cozinha.
Me assustei e cai do sofá da sala, meio enrolada na coberta vermelha, vestindo apenas um pé de meia da mesma cor. Meu cabelo estava todo fora do lugar. Quer dizer, mais do que o comum. E eu me perguntava aonde estava a danada da outra meia.
Era melhor eu não saber o que tinha acontecido noite passada.
-Não foi o Furacão Sandy- disse Pedro, ecoando meus pensamentos.
-Legal- respondi, juntando e vestindo meus pertences pelo caminho.
Quando cheguei na cozinha, já parecia alguém decente que sabia aonde estava.
-Ovos, pão e café- disse Pedro, fazendo um gesto largo que indicava a mesa.
Me sentei e ataquei tudo o que estava ali. Ovos, pão e café. Não necessariamente nesta ordem.
-Sempre soube que eu cozinhava bem- riu Pedro.
-Calado- respondi entre ovos e migalhas de pão.
Pedro sorriu.
-Vamos até o parque hoje. Os pombos vão gostar de comer o pouco pão que você deixou.
-Eu? -perguntei colocando a mão no peito, fingindo indignação.
-Talvez a gente nem vá. Sobrou tão pouco...- Pedro olhou tristemente para três sacolas cheias de pão. Era realmente um excelente ator. Eu esperava que ele citasse meu nome em seu agradecimento pelo Oscar.
-Acho que as pobres pombas vão me perdoar, ao menos hoje- respondi enquanto me levantava e tirava as louças da mesa.
Lavei e sequei xícaras e afins. Pedro juntou mais pães do que o número de pombas que poderiam existir no parque. Ninguém disse uma palavra sobre despedidas ou semelhantes. Passaríamos mais um dia juntos. E eu não achava nada ruim.

sábado, 24 de novembro de 2012

Espontâneo ou não

-Uma cascata de cachos- disse Pedro enquanto acariciava meus cabelos.
Nós dois estávamos deitados no sofá da sala. Ouvindo a chuva.
Comecei a rir.
-Tá rindo do que, Alice? - ele perguntou, fechando a cara. As sobrancelhas escuras se unindo.
-De como tu conseguiu ser tão brega em uma frase só - respondi. Me virei para olhar bem para ele. Queria ter certeza que meu plano de deixá-lo irritado estava funcionando. Ele bufou.
-Aposto que tu se derreteu por dentro- disse Pedro
-Aposto que tu ensaiou essa frase na frente do espelho noite passada- alfinetei pela última vez.
-Aposto que você adorou- devolveu ele. Pelo visto, meu plano de irritá-lo não estava funcionado mesmo.
-É. Tá. Ok. Maneiro. Obrigada - confessei.
-De nada.
Então, ele me abraçou. E eu soube que aquilo não fora ensaiado. Devolvi o gesto, apertando-o com mais força.
O que aconteceu depois também não foi nada ensaiado, mas, ao que me diz respeito, deu muito, muito certo.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Prêmio e castigo

Sentou-lhe a mão na cara, como diriam os antigos. O rosto da esbofetada virou, fazendo-a encarar o chão por alguns minutos. Olhos se encheram de lágrimas, de ambas as partes. Mas cada uma com seus motivos.
Uma tinha a mão formigando, a outra o rosto ardendo. Cada uma com o que merecia. Uma com o prêmio e a outra com o castigo.
E assim a vida seguia, ás vezes demorando, mas sempre sendo justa.

Esclarecimentos

Enquanto eu caminhava tranquilamente pela vida, seus olhos cruzaram com os meus. Ah, meu bem, entre tanta gente, tantos humanos para lá e para cá, parecia até magia, nos encontramos assim. Eu andei de cabeça baixa, observando meus próprios passos, até sentir que deveria olhar para cima.
Até sentir você. Quando te vi, me assustei, confesso. Não é comum me olharem assim. Então, sorri por dentro e desviei o olhar. Bobagem, eu sei. Só queria te esclarecer esse detalhe: eu sorri, não meus lábios, mas minha alma riu. Queria te contar isso antes que tu fosses para cama. Queria te dizer isso antes que eu não te visse mais. Queria te falar outras duas, ou três coisas, mas deixa para lá. Hoje ficamos por isso mesmo, boa noite.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Em pedaços

Entrou partindo minha cara, meu coração e o vaso da vovó em pedaços. Maldito! O vaso da vovó, não! Devolvi o tapa e o fiz juntar os cacos que poderiam ser juntados. Você jurou que consertaria o vaso da vovó. O chão. As cortinas. A mesa. O trinque emperrado há dias. A torneira. A gaveta.
Porém, não falou nada sobre meu rosto.
 Muito menos sobre o meu coração.

sábado, 17 de novembro de 2012

Um favorzinho, dona Lua


Valentina jantou com a janela aberta. Porque, na falta de alguém, a lua é sempre uma boa companhia. A danada é dessas, cheia de fases, mas tá sempre no lugar combinado, na hora marcada. Valentina podia contar com a lua. Para iluminar o prato branco de porcelana e a toalha de mesa azul turquesa. Para dar brilho ao arranjo de tulipas vermelhas e a suas mãos pálidas.
Valentina desligara as luzes de toda a casa. Resolvera economizar eletricidade e pedir esse pequeno favor a lua. Que iluminasse sua pequena sala, aquela noite. Que lhe iluminasse a mente nas próximas horas.
Que lhe dez luz pelo resto da vida.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O começo do País das Maravilhas de Pedro

Apenas erguia os olhos, de vez enquanto. Nada parecia perturbar sua leitura. Intrigado, comecei a observá-la. Ver sua testa enrugar, seu olhos brilharem e seus lábios esboçarem sorrisos, conforme virava as páginas de seu livro amarelado.
Os cabelos compridos desciam pelos ombros , e ás vezes, invadiam linhas e parágrafos. Então, ela os afastava com delicadeza e voltava para seu mundo de papel.
Passaram-se um sem número de minutos até me levantar e caminhar na sua direção.
-Olá, meu nome é Pedro.
Ela desprendeu seus olhos das páginas meio a contragosto, olhou para mim e sorriu.
-Sou Alice - respondeu ela
E aí tudo começou.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Um gesto oportuno


Naquela hora eu senti muito medo. Me senti perdida. Como se estive presa em um labirinto. Olhei confusa para os lados e vi você, com o olhar calmo e seguro, me esticar a mão. Eu a segurei, como um naufrago segura uma tábua salva vidas.
Então tudo ficou calmo, caminhei segura ao seu lado.Sentindo a confiança que você me passava, em cada passo. Em cada batida do seu coração.
Como ficar nervosa? Como me sentir abandonada? Tudo tinha entrado nos eixos por causa de você.
Na hora exata em que me estendeu a mão.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Minha cabeça dói


A melhor dor de cabeça é aquela que é fruto de tanto pensar. De tanto questionar, dialogar e outros verbos maneiros e sábios, todos no infinitivo. Todos no plural.
Quando você se encontra com gente que realmente pensa e gosta de pensar, a coisa muda. As conversas mudam, o ar muda. Meu humor muda.
E eu até começo a acreditar nos humanos, novamente.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Na presença do Rei


Ele tinha olhos azuis e um cabelo bonito. Uma voz rouca e um sorriso largo. Falava com toda simpatia que se pode desejar de alguém, porém não era nada disso que o deixava  encantador aos olhos daquelas jovens.
Seu charme, seu verdadeiro charme, estava na mesa ao lado. Uma simples caneca, com a foto de um tal de Elvis Presley. O pequeno objeto preenchia o ambiente de uma maneira quase sobrenatural. Conversas eram secundárias, assuntos eram deixados de lado. O que importava mesmo era apenas aquele Elvis sexy e sorridente, cheio de café quente, na beira da mesa. O resto? O resto eram meros plebeus, perto do Rei do Rock.

domingo, 11 de novembro de 2012

Sobre um sonho ou não

Foi tão real, mexera tão profundamente com os cinco sentidos de Valentina, que ao acordar ela poderia jurar que tudo fora real. Ficou deitada em sua cama, em silêncio e no escuro. Revisitando tudo o que sonhara. Cada detalhe, até adormecer novamente.
De manhã, já não lembrava mais de alguns detalhes. O sonho já tinha aquela nuvem confusa que costumam adquirir depois de um tempo. O que restara para Valentina eram as sensações. Ah, e essas eram tão reais que até agora, na hora do jantar, ela se perguntava se o que acontecera fora realmente um sonho. Ou uma lembrança mal lembrada.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Vontade


Tenho vontade de te abraçar, de te agradecer e de te socar, bem na boca do estômago, para ver se tu aprende. Tenho vontade de te beijar, te mandar para aquele lugar e depois dizer que era só brincadeira. Tenho vontade de ter por perto e de te mandar embora.
No fim, depois de muita análise, cheguei a uma conclusão. Tenho vontade é de você.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

É recíproco, cara


-É tua culpa eu ficar acordada até essa hora- reclamei enquanto me espreguiçava na cama.
-Claro- devolveu Pedro, porque, como ele bem sabia, com louca não se discute- É só uma da manhã.
-É tarde- bocejei
-É cedo em algum lugar, Alice- jogou ele na minha cara.
Suspirei e me rolei na cama, para longe dele.
-Mas não aqui, Pedro. Boa noite.
-Chata, sonolenta, boboca, preguiçosa.
Sorri, encarando a parede.
-Também te amo, cara.

Tudo tão silencioso


Estava tudo tão silencioso que eu podia ouvir minha respiração. Estava tudo tão silencioso que eu podia ouvir seu coração batendo. Estava tudo tão silencioso que por alguns segundos idiotas eu imaginei que você pudesse ouvir meus pensamentos e o meu coração. Que bobagem, não é? Não é?
Depois de um tempo eu não ouvi mais sua respiração, pois já estávamos sincronizados. Se eu ouvisse você eu me ouvia e tudo, no final, era a mesma coisa. Nós éramos a mesma coisa.
Até eu adormecer com o vento no meu rosto, sua respiração me embalando e você sussurrando três palavras e o meu nome.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Desorganizaram-se


A janela já deveria estar fechada, as luzes já deveriam estar apagadas e você e eu devidamente aconchegados. Mas essa coisa de obrigações e deveres anda nos atormentando. Nossa preferência agora é ficar até tarde de porta aberta, olhando para o céu escuro. Como naquela noite que você me contou histórias sobre constelações até eu adormecer. Nossos planos agora não existem, e é bem melhor assim. Coisa chata lista de supermercado, de afazeres. Ainda bem que percebemos que com a gente esse tipo de coisa não funciona. Ainda bem que mudamos a tempo.
E que agora continue assim, porque já que o time está ganhando, é melhor deixá-lo exatamente como está.