terça-feira, 28 de maio de 2013

Te vi passar

Hoje eu te vi passando. Estava bonito. Andando com aquele teu jeito charmoso. Lembrando um gato desfilando em cima de um muro, em uma tarde de sol.
Estava muito parecido com aquele ator, daquela trilogia, sabe? Que tem os livros, lembra? Então, igualzinho. Ou melhor.
Hoje eu te vi passando e sorri, porque lembrei de duas ou três coisas deliciosas que valiam ser lembradas.
Hoje eu só te vi passando.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Sobre os teus olhos

Os olhos de Edgar são difíceis de decifrar. Escuros. Complicados. E lindos. Estes olhos escuros, complicados e lindos contemplavam Anna. Anna e seus cachos de fogo. Anna e seus olhos de grafite.
Tinha saudade naqueles olhos difíceis. Isso era claro. Isso não era complicado.
Os olhos de Edgar eram difíceis de decifrar. Não para Anna.

sábado, 25 de maio de 2013

Salgado

Era um gosto amargo na boca. Não, era salgado. É, era um gosto salgado nos lábios. Depois ela percebeu que eram lágrimas. Caindo devagar, rolando pelo seu rosto. O rímel barato borrou e desenhou linhas escuras no rosto pálido. Ela fungou. Tossiu. Porque chorar não é tão bonito quanto nas novelas. Chorar é doído. Borra maquiagem, distorce o rosto. Dói as costelas. Chorar é salgado.
E ela tinha os lábios salgados naquela noite.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A dança

De repente começou a tocar a versão de Sway daquele seriado que Alice tem vergonha de admitir que assiste. Ela sorriu, quais eram as chances disso realmente estar acontecendo? Pegou Pedro pelo braço e o arrastou para o centro do salão. Eles precisavam dançar. Ela precisava dançar.
Aliás, era comum Alice ouvir elogios do tipo "você parece flutuar na pista", "você faz parecer fácil". Ela sempre agradecia com um sorriso educado. Apenas ria, não dizia nada. Porque sabia que não os merecia. O mérito era todo de Pedro. Toda leveza e técnica vinham dele. Toda segurança de Alice, vinha de Pedro. Dentro e fora da pista de dança.
Alice só tinha o ritmo correto nas mãos de Pedro. Só não tropeçava nos próprios pés enquanto estivesse nos braços dele. E ela sabia disso. E ele suspeitava disso.
E enquanto a música estivesse tocando não haveria problemas nem dúvidas.
A questão é que a música precisava terminar. E Alice rezava, para que no fim, os braços de Pedro ainda estivessem em sua cintura.

terça-feira, 21 de maio de 2013

A folha

Ela tentava escrever tão rápido quanto seus pensamentos. A letra era azul, pequena, miúda. Vorazmente engolia o branco do papel. Linha após linha.
Ela parou. Suspirou, espreguiçou-se. Talvez tenha estalado os dedos, uma ou duas vezes. Analisou o que escreveu. Gostou. Sorriu. Dobrou a folha e a guardou na gaveta.
Para ela, isso bastava.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Com carinho

Chá de camomila com mel em uma caneca laranja. O calor da bebida em aspirais de fumaça. Mãos pálidas aquecendo os dedos. Frio lá fora. Ponta do nariz congelada.
Bochechas rosadas do vento cortante. Cachos fora do lugar. E um cachecol azul marinho bordado pela avó.
Ela olhava para o céu rosado, sorrindo. Esperando por ele, já o percebendo em cada respiração.
Vem inverno, te aguardo com carinho.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

De colorir

A cama de Anna ficara laranja. Tornara-se colorida como um céu de outono. A presença de Edgar costumava causar isso. Ele costumava colorir os olhos cinzentos de Anna. As maças do rosto, os lábios, os cabelos. A Anna. Toda ela.
Anna não tinha certeza se ele sabia disso. Desse dom para colorir.
Sorriu, enquanto observava a respiração lenta de Edgar, ir e voltar.
Então, Anna riu um riso colorido e voltou a adormecer. Com os olhos coloridos.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Pressão

Tinha pinhão no fogo e os pés de Alice, aquecidos por meias coloridas, na guarda do sofá. Fogo na lareira e chuva lá fora.
-Tua mãe não te ensinou bons modos?- perguntou Pedro, vindo da cozinha com um prato fumegante. Sentou no sofá.
Alice espreguiçou-se e jogou as pernas no colo de Pedro.
-É, acho que não- disse ele rindo e acariciando os pés coloridos de Alice- Pinhão?
Alice fez uma careta, torcendo o nariz.
-Achei que gostasse de pinhão, Al.
-Não me chama de Al.
-Achei que gostasse de pinhão, Alice.
-Eu gosto, só estou com preguiça.
-Nota-se.
-Ah, Pedro, um observador- ela riu.
Ele sorriu e colocou o prato de pinhão no chão e tirou as pernas de Alice do seu colo.
-Pedro...
Ele se aproximou rindo.
-Pedro?
Mais próximo.Eles já ouviam e sentiam a respiração um do outro.
-Pedro
-Shh, Alice, não estrague o momento
-Pedro?
Ele suspirou.
-Sim?
-A panela de pressão!

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O melhor idiota que existe

Não é todo mundo que vê suas qualidades. Não é todo mundo que realmente o vê. Não que ele seja feito de perfeição, ninguém é. Aliás, um aviso ao leitor: ele sabe ser idiota. Mas, sabe ser muito mais. Ele é muito mais. Porém, não para todo mundo. O que há de bonito  nele, para ser visto, algumas vezes, precisa de lupa, de lente de aumento. E sabe, caro leitor, nem todo mundo nasceu com essa lupa. Como diria o amigo Conan Doyle, a maioria só vê, não observa. E esse cara, pra gostar dele, precisa observá-lo. Ele precisa deixar ser olhado. Você precisa dessa lente de aumento, meu caro. Aliás, a compre logo, você não verá apenas ele melhor, mas o mundo todo.
Volto a lembrar: ele sabe ser um idiota. Ele faz isso com frequência. Mas, querido leitor, eu gostaria de deixar registado: ele é o melhor idiota que existe.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Pontas dos dedos

As pontas dos dedos estavam geladas, como na noite anterior. Valentina tinha tudo para estar aquecida, mas pontas de dedos podem ser teimosas quando o tempo esfria.
Ela colocou as mãos no bolso do casaco. Não funcionou. Procurou um cobertor. Não deu certo. Tomou chá e tentou aquecer as mãos na xícara. Funcionou, por pouco tempo.
Não adiantava. Quem podia aquecer seus dedos não estava por perto nessa noite.
Não adiantava. Quem podia aquecer seu coração não viria hoje.
Então, Valentina levantou-se e preparou outra xícara de chá.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Noites

Como a noite em que Valentina parou na escada. Que demorou para apagar a luz do quarto. Que ficou sozinha no escuro.
Que mordeu o lábio, que fingiu que não chorava, que entrou no quarto rindo. E que fingiram que acreditavam no sorriso dela.
Como a noite em que Valentina pediu colo, pediu ombro, ganhou carinho. Gargalhada. Covinhas. e foi embora com a alma um pouco mais leve. Porque deixara o choro embaixo da cama. Porque as lágrimas foram embora. Porque ela não precisava ficar no meio da escada. Porque ela podia apagar a luz do quarto sem medo. Porque, no fim, ela não estava sozinha.