sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Edgar e Anna: o começo



Enquanto as crianças brincavam lá fora, a garota de cabelos de fogo observava tudo de seu balanço branco. Sorria. Como era bom vê-las correndo. Sentia-se livre como aquelas pessoinhas. Uma das garotinhas, de cachos dourados, parecia que ia voar, tão rápido passava por ela.
A jovem de cabeça de fogo sorriu e balançou-se até seus pés esquecerem como era tocar o chão. Queria voar, como a menina de cachos d’ouro. Fechou os olhos e sentiu as chamas de suas mechas roçarem suas bochechas. 
Ouviu passos vindos da casa. Parou. Tão bruscamente que quase atingiu seu objetivo de voar. Olhou para trás. Um rapaz caminhava em sua direção.
-Olá- disse a garota, ficando tão corada quanto seus cabelos. Ele sorriu. Tinha olhos difíceis de decifrar, porém era indiscutível a beleza dos mesmos.
Sentou-se ao lado da jovem, sem pedir licença. Parecia que já sabia que seria convidado.
-Sou Edgar- seus olhos pareceram mais vivos e coloridos neste momento.
A garota balançou a cabeça, afastando a ideia. “Que coisa mais Crepúsculo” pensou desdenhosa.
-Anna- respondeu afastando uma mecha de fogo dos olhos cinzas.
O sorriso de Edgar alargou-se. O de Anna cresceu. Se olharam. Aqueles pares de olhos misteriosos se observaram. E se encontraram. Finalmente.

Hora do rango


Os imensos olhos verdes de Jaffar espreitavam a escuridão. Eduarda já estava dormindo. Esparramada em sua cama. Porém, o gato estava com fome. Miou e não obteve resposta de sua dona, que apenas se revirou na cama. Resmungando algo como “vai dormir”. Mas, Jaffar não queria dormir. Jaffar queria encher sua pança laranja de ração. Ração de carne. Lambeu os beiços felinos e apertou os olhinhos.
Procurou até encontrar a mina de ouro. Ou o pacote de ração, como preferir. Em cima do balcão da cozinha. Tão belo, tão próximo, tão cheio de ração. Saltou com vontade, porém a gravidade mandou lembranças e Jaffar se estatelou no chão. Não antes de passar as garras pelo pacote de ração, que caiu com ele.
Estava feito o banquete. O gato comeu tudo, até lamber o piso com sua linguinha rosada e áspera. Depois, caminhou lentamente para o sofá e lá adormeceu.
Eduarda acordou de um sonho estranho. Envolvendo Jaffar e pedaços de ração que voavam pela casa. Ao chegar na cozinha encontrou o saco de comida do bichano no chão e vazio.
A garota suspirou e se perguntou o quanto de seu sonho correspondia a realidade.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Sobre espirros e amor



Espirro. Espirro. Fungada. Espirro.
-Sai daqui, Pedro- resmungou Alice atirada no sofá.
Uma colcha xadrez aquecia o corpo pequenino da jovem.  Ela tremia. Ela estava resfriada.
-Deixa de ser fresca, Alice- disse Pedro entregando uma xícara de chá fumegando pra ela.
A fumaça adocicada da bebida subia em grandes aspirais. Alice fez uma careta.
-Não quero que me veja morrer- ela disse bebendo o chá.
-Sem drama- devolveu Pedro, sentou-se no sofá.
Alice fungou e bebeu o chá-de-sei-lá-o-quê.  Ela preferia não saber. Só beberia tudo em silêncio.
-Boa garota- disse Pedro, quando ela lhe entregou a xícara vazia.
Alice mostrou a língua e Pedro concluiu que a jovem já estava bem melhor. Ele beijou sua testa. Abraçou-a. Ela gemeu.
-Eu vou morrer!- reclamou ela.
-Se você não parar de dizer isso eu mesmo dou um jeito nisso.
-Duvido.
Pedro suspirou e a apertou com mais força.
-Eu também.
-Pedro...
-Sim?
-Acho que te amo.
-Eu também acho.
-Que bom.
-É.
-Tem mais chá?
-Tem.
Alice fungou.
-Eu vou trazer mais- disse Pedro levantando-se
Alice sorriu. Agora ela sabia que o ditado estava correto. Quem ama, cuida. 

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O sofá


Virou a chave devagar. Já era tarde. Entrou. Encontrou Anna dormindo no sofá. A cabeça levemente tombada para o lado. Os cabelos avermelhados caindo sobre a almofada, quase tocando o chão. Tão linda. A boca vermelha entreaberta. Ressonava. Dormia.
-Anna?- chamou Edgar suavemente. Não queria assustá-la. Já estava triste demais por ter se atrasado.
Largou as malas em um canto.
-Anna?-chamou de novo.
-Hmmmm? - ela se remexeu e abriu seus olhos acinzentados pareciam mais profundos do que nunca. Com o que será que sonhara?
-Desculpe pelo atraso- disse Edgar sentando-se no chão. Na frente do sofá.
-Vem aqui- Anna esticou o braço pálido para Edgar. Chamando-o. Ele foi.
-Me desculpe? Não foi minha culpa, o voo foi cancelado porque...
-Cala boca- murmurou Anna.
-O quê?
-Eu te puxei para o sofá ao meu lado. E coloquei sua mão envolta da minha cintura. Acha que eu não te perdoei?
-Acho que sim, que me perdoou.
Anna sorriu.
-Achou certo.
Edgar beijou os cabelos de Anna. Depois seus lábios. Ficaram em silêncio por um tempo que até o relógio esqueceu de marcar. Adormeceram. Edgar sonhou com Anna. Anna voltou a sonhar com Edgar. Ao despertarem deram de cara um com o outro. Tudo estava bem.

domingo, 23 de dezembro de 2012

O dueto


Alice estava sentada diante da sua penteadeira. Terminando de traçar seus fios vermelhos em um penteado que aprendera na internet. Tudo estava silencioso quando ouviu a voz de Pedro.
-Querida, cheguei- gritou ele do primeiro andar.
-Muito original- gritou Alice em resposta.
Prendeu os cabelos com uma fita da mesma cor de seus cachos e desceu as escadas correndo.
-O que você tem aí na sacola Pe...Ah, não.
-Ah, sim!
-Não, Pedro, um karaokê, não!
-Sim!- os olhos de Pedro brilhavam tanto que Alice cogitou desligar todas as luzes da casa.
A jovem suspirou, os ombros caíram até o piso (lavado ontem) e voltaram. Pedro gostava muito de karaokês, muito mesmo. Alice aceitava ir com ele em bares para cantar por uma hora ou duas. Mas agora que Pedro comprara um, aquelas duas horas virariam vinte e quatro rapidinho.
-Pedro...
-Sh, Alice, estou instalando o karaokê- a voz dele soou meio abafada. Já que ele estava escondido atrás da televisão, perdido em meio a fios, cabos e afins.
A garota suspirou novamente. O piso já estava se acostumando a receber os ombros pesados de Alice.
-Pronto!- gritou Pedro saindo de trás da TV e fazendo Alice dar um pulo. Dessa vez seus ombros foram parar no teto- O que vamos cantar?
-Nada- disse Alice azeda.
-Sua azeda- disse Pedro- Já sei!
O rapaz começou a apertar botões loucamente. Com sorriso imenso na cara. Alice começou a se preocupar.
-My love...-começou a cantar Pedro
-Não- disse Alice dando um passo para trás.
-There's only you in my life
-Para, Pedro...
-The only thing that's right
-Tá... My first love- rendeu-se Alice- you're every breath that I take. You're every strep I make.
 Os dois continuaram o dueto. A plenos pulmões. Alice a contragosto no início. Pedro sempre rindo e a puxando pelo braço. Fazendo-a rodar na sala, até que gargalhasse. "Essa é minha Alice" pensou. A música acabou. Os dois se entreolharam. E começaram tudo de novo.

A culpa é do fim de ano


Fazia exatos três meses que tu tinhas me dito aquelas três palavrinhas. Aquela maldita jura de amor que deixou transtornada. Só três meses.
Três palavras. Três meses. Engraçado, não é? Não. Não é. Talvez irônico. Porque agora não te vejo mais. Não sei como estas, o que sentes.
Não, eu não sei se eu gostaria de saber como você está ou o que sentes. Eu nem sei porque estou pensando sobre isso. Acho que é o final de ano. Sabe? Retrospectiva e tudo mais. É, deve ser. Isso explica essas lembranças chatas que andam me perseguindo. Estilo aqueles filmes da Sessão da Tarde ou novela das 9, que a mocinha fica lembrando, lembrando, lembrando... Garota chata! Não quero ser ela. Não sou como ela! É culpa do fim de ano. É, fim de ano. Retrospectiva, com certeza. Espera, acho que já disse isso. Ah, esquece.
Nos vemos mais tarde. E, por via das dúvidas, boas festas.

Uma tarde culinária


Miranda abria e fechava as portinhas dos armários da cozinha. Andava de um lado para o outro.  Conferindo ingredientes.
-Acho que temos tudo, Roberto- disse finalmente.
Ela me convencera. Faríamos panetones neste Natal. Depois do bolo de chocolate que ela praticamente me obrigara a preparar, agora era a vez das delícias natalinas. 
Porém, eu não me importava, eu queria mesmo era ficar perto dela. Não que eu fosse confessar isso em voz alta.
-Então, vamos começar? – perguntei meio inseguro.
Miranda sorriu. Eu começava a desconfiar que ela adorava me ver sofrer na cozinha.
Porém, apesar de todos os ovos que derrubei no chão. Das uvas passas que eu comi ao invés de por na massa, o bendito panetone ficou pronto. Lindamente pronto, modéstia a parte.
Miranda sorriu novamente. Ao ver nosso trabalho culinário concluído. Suspirei. Poderia fazer mil panetones só para vê-la com esse brilho nos olhos. Não cheguei a dizer isso a ela.
 Eu não precisava de presentes este ano. Essa tarde fora o melhor que eu poderia ganhar em qualquer Natal.
Bom, isso eu disse a ele. E então, nos beijamos. 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Tinha uma meia no meio do caminho


-Seu presente- disse Pedro estendo um embrulho para Alice.
-Ainda não é Natal, Pedro. Ainda bem que te comprei um calendário de presente- disse Alice, porém não hesitou um segundo antes de agarrar o pacote.
Começou a rasgar o papel colorido. Rindo. Ao presente ser revelado, porém, o sorriso sumiu.
-Que foi?- perguntou Pedro, olhos arregalados. Um sorrisinho se escondendo no canto dos lábios
-Meias? Meias vermelhas? É sério?- o rosto de Alice tinha murchado.
-Você não perdeu uma certa meia vermelha esses tempos, Al?
-Não me chama de “Al” – bufou a jovem com  o rosto da cor da meia que segurava- E eu perdi sim, a maldita da meia. E por sua culpa...
-Não lembro- devolveu Pedro
-Cala boca.
Alice ficou de expressão fechado por mais dois segundos. Depois, vestiu as meias três quartos. Suspirou.
-Droga, elas ficaram legais...
-Ninguém mais usa meias três quartos, Al.
-Então por que você me deu?
-Porque você não é como as outras- sorriu Pedro.
-Ah, Pedro... Que ensaiadinha essa cantada, parabéns.
Ele bufou.
-Isso funcionaria com outras gurias.
-Eu não sou “as outras gurias”.
-Realmente.
Alice não era como as "outras gurias" mesmo. Nem Pedro era como os outros caras. Por isso eles se davam tão bem. Por isso meias, no fim das contas, eram um bom presente. Por isso, não importava quantos pares de qualquer coisa os dois perdessem, eles sempre ficariam juntos. Nesse e muitos outros Natais. 

Um gato, uma touca e uma guria


Naquela manhã chovia canivetes, bigornas e tudo mais que se podia imaginar. Incluindo pingos d’água.  Parecia até que o mundo iria acabar.
Eduarda entrou em casa encharcada. Os cabelos negros pingavam grossas gotas que manchavam o assoalho.
-Que legal- resmungou ela.
Porém, o som de um miado a fez esquecer que tinha chuva até nos ossos.  Jaffar veio caminhando em sua direção, gordo e laranja.
-Olá-sussurrou ela, pegando o bichano- trouxe um presente para você.
Eduarda viu os olhos do gato brilharem e ele lambeu os lábios felinos.
A jovem remexeu na sacola e puxou dela uma touca vermelha.
Jaffar arregalou os olhos e miou, suplicando. Não, uma touca de Natal, não! O gato escapou do colo de sua dona e foi se esconder embaixo do sofá.
-Jaffar-chamou Eduarda, sem sucesso. Apenas um rabo laranja podia ser visto. Balançando lentamente.  
Talvez o gato saísse dali depois do fim do mundo. Ou do Natal...
Eduarda suspirou pesadamente. Foi tomar banho. Jaffar que se desemburrasse sozinho. A touca ficou jogada, perto do canto do sofá favorito do gato e de sua dona.
A garota tomou um banho demorado. Precisava esquentar os ossos, o corpo e alma. Depois daquela chuva que parecia querer arrastar a raça humana consigo.
Ao voltar para sala suspirou. Mas não de cansaço, alívio ou coisa parecida. Mas de alegria e de orgulho. O motivo? Jaffar, é claro. O bichano estava dormindo enroscado no sofá. Uma bola laranja linda. E no topo daquela bolinha felpuda algo vermelho. Uma touca natalina.  Eduarda sorriu.
-Como você fez isso, hein? – perguntou ela se aproximando e afagando o gato. Jaffar ronronou alto, como resposta. A jovem sorriu e deitou-se ao lado do seu amigo de estimação.
Porque era isso que Jaffar era. Uma bola de pelos laranja e amiga. A companhia ideal para passar o Natal. Com ou sem touca.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Um presente para Valentina

Uma fita vermelha nos cabelos para combinar com o vestido da mesma cor. Há anos Valentina não usava uma fita nos cachos cor de bronze.
-Um milagre de Natal- disse ela para sua imagem no espelho.
A garota no reflexo sorriu, concordando.
A casa já estava decorada para a data. Tinha pisca-piscas saindo pelas janelas. Tudo estava pronto. Tudo estava organizado. Como a etiqueta natalina pedia. O cheiro de verbena emprestava ao local uma sensação de sonho e leveza. Só faltava um detalhe para tudo ficar perfeito.
-Só não se atrase, por favor-murmurou Valentina, olhando para o relógio de parede e depois para a porta.
Os pés da jovem não paravam quietos, compondo o que poderia ser considerado a música tema do nervosismo.
Após o que pareceu uma eternidade, ou cinco minutos, nunca saberemos, a campainha tocou. A jovem levantou-se do sofá. Passou as mãos trêmulas pelo vestido. Antes de abrir a porta já reconhecera o perfume do convidado.Café. Ele tinha cheiro de café. Valentina abriu um sorriso maior que seu apartamento.
A jovem sabia quem estava do outro lado da porta e por isso a felicidade não cabia nela. Ela sabia quem era e que seu milagre de Natal acabara de acontecer. "Valeu, Papai Noel", pensou antes de abrir a porta e receber o melhor presente que poderia ganhar.


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Um guardião natalino (ou felino)


Do muro da entrada do vilarejo Sallen observava tudo, como de costume. Porém, algo estava diferente naquela noite.  As simples casinhas da cidade estavam diferentes. Todas iluminadas. Decoradas para o Natal. 
Se pudesse Sallen teria sorrido. Ou realmente o fez, não se sabe, estava muito escuro para se ter certeza. E naquela escuridão via-se apenas as luzes de Natal e os olhos azuis de Sallen. Ambos embelezando a noite da vila.  
O felino adorava Natal. Ganhava mais atenção dos moradores. Até quem passava e não afagava suas orelhas era mais gentil nessa época do ano.  A quantidade de comida aumentava. E sempre alguma menininha tentava amarrar laços vermelhos no pobre gato, que por educação, os mantinha em seu pescoço até que a criança saísse de vista.
Sallen sempre preferiu comida e carinho a laços de fita. Nada pessoal, ele só não gostava. Guisos também não eram do seu agrado. Ratos gordos e passarinhos bem nutridos, tudo bem. Estes estavam no topo da lista dos presentes de Sallen.
Não que o gato pedisse algo. As pessoas do vilarejo gostavam dele. E o amor delas era tão grande que transbordava em forma de agrados ao felino de pelo escuro. E Sallen, por sua vez, sempre amou e protegeu aquele pequeno lugar.  E as pessoas que viviam nele.
Portanto, naquele Natal não seria diferente. Com ou sem ratos gordos, laços e passarinhos, o bichano faria seu trabalho. Mas, se sobrar um pedacinho do peru, pode mandar, viu? Sallen não se ofenderá.  

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Preparativos de Natal


Já tinham colocado as luzinhas natalinas no corrimão da escada. E agora observavam sua arte do sofá.
-Ficou perfeito- disse Anna.
-Ficou torto- devolveu Edgar.
-Abstrato. De vanguarda. Inovador. Autêntico...
-Quantos adjetivos você vai usar para se desculpar?
-Já acabei- suspirou ela.
Edgar sorriu.
-Ficou lindo, Anna. Parabéns.
Anna sorriu de volta.
-Obrigada. Seu presente é esse. Um corrimão iluminado - Anna observou Edgar franzir o cenho para ela- Eu sei, é muito criativo.
Ele bufou.
-Te darei um abraço bem apertado. E talvez um beliscão no braço. Para demonstrar o quanto sou generoso.
-Inovador, meu caro.
-Uhum- murmurou Edgar.
-Por que precisamos nos presentar, mesmo?  A gente não pode só assar o azarado do peru e comer umas uvas? Enquanto olhamos nossas luzinhas na escada...
-Dia 24 a gente decide- disse Edgar beijando a testa da garota.
-Tudo bem- respondeu Anna.
Mas, ela sabia, Edgar já tinha concordado. Afinal, um era o presente do outro. E o resto era só enfeite.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Flor de Liz

Te deixei uma flor branca. Em cima do balcão. Só estou te avisando porque tenho medo que não encontres. Cuide dela para mim. Queria lhe entregar mais que isso. Entretanto, por hora é o que posso lhe oferecer sem sobressaltos e culpa. Fique com a flor, Liz. Enquanto não posso lhe dar meu coração.

domingo, 16 de dezembro de 2012

A mala de Amélia

Amélia guardou a mala cinza no fundo do armário. Não precisaria dela por um bom tempo. Escondeu-a atrás de roupas antigas. Atrás de lembranças remotas. Longe dos seus olhos negros. Longe de sua rotina. Ao menos por enquanto.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Até


Até mais. E, não me leva a mal, mas que este "mais" demore um bom tempo. Não tem nada com você, sabe. Só não consigo nem pensar no som da sua voz. E qualquer lembrança sua me embrulha o estômago. Não é nada pessoal, mas só a menção do seu nome me irrita. Mas, olha, não leva a mal, tá? Ainda podemos ser amigos. Só não me dirija a palavra, ok?
Então, era isso, até mais.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Passou


A chuva passou e o que eu sentia por você também. Aquele gosto estranho que tu deixaste na minha língua já sumiu e agora sinto apenas açúcar em meus lábios.
Ainda bem.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Sobre lados esquerdos e portas antigas


Certa feita disse que o lado esquerdo do meu peito estava vazio. Você ficou furioso comigo, lembra? Saiu batendo os pés e as portas. Não me deixou concluir o raciocínio  Criança. O que quis dizer é que quando você não estava ao meu lado eu me sentia vazia. Não só do lado esquerdo, obviamente. Porém, quis deixar claro que era ali que sentia mais sua falta. Porque se você faltou as aulas de biologia, vou lhe explicar: ali fica o coração, Edgar! E aonde tu achas que eu te guardo, imbecil?
Entendeu agora? Espero que não bata mais as portas da minha casa. Ela é antiga, não suporta mais ataques de ciúmes. Não tem mais paciência para briguinhas de casal. Ela já presenciou isso demais. E eu também. Então: bora fazer as pazes?
Traga seu pijama, hoje você fica aqui. De portas fechadas. Mas sem batê-las.

Sobre chuva e saudade


Achei que fosse seus passos na escada. Descendo lentamente. Vindo me fazer companhia. Pensei ouvir os sons dos seus pés caminhando na minha direção. Mas estava enganada. Era só a chuva. Pingos barulhentos, tão diferentes das tuas passadas. Como pude me enganar?
-Vai ver é saudade- conclui em voz alta enquanto puxava o edredom até o pescoço.
E o único remédio de pronta entrega para saudade era o sono. Fechei bem meus olhos. Até sentir que os cílios superiores emendavam-se com os inferiores. Talvez eles não se separassem mais. E eu não precisasse abrir meus olhos e ver o lado esquerdo da minha cama e do meu peito vazios.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Depois da chuva


Eu corri pra você. Não me importei com a chuva. Com meu cabelo. Com o vestido de seda. Eram seus olhos verdes que eu queria. Que se dane a bolsa cara e o vestido sofisticado. Quem se importa com o rímel borrado e a sombra preta que escorria por minhas bochechas?
Eu parecia um panda fora de habitat. Mas essa não era a questão.
Eu precisava era de você, que abriu os braços para me receber. Ai de você se fizesse o contrário!
Depois de toda aquela chuva, foi você que me aqueceu. Depois daquele temporal você foi minha calmaria, cara.
Vê se faz isso mais vezes, ok? Nunca deixe de ser meu guarda-chuva nesse temporal maluco que é eu e você.

domingo, 9 de dezembro de 2012

O vestido emprestado


Foi um tiro no peito que fez o vestido branco manchar-se de vermelho. "Maldição", pensou Elaine antes de desmaiar. O vestido era emprestado. Morreria com um vestido que não era dela. E que ela havia manchado. E não poderia lavar, porque estaria morta. Ah, meu Deus! Morta. Mortinha. "Estou morrendo", concluiu Elaine. E de repente o vestido manchado e emprestado ficou em segundo plano.
Mãos seguraram o tecido branco, puxaram Elaine. Um som estranho surgiu. "Deve ser a sirene da ambulância". Tudo ficou embaçado. Depois tudo ficou preto.
Ao acordar Elaine não estava mais manchada de sangue. Vestia uma camisola branca. Branca e emprestada.
Calma, Elaine. Algumas coisas demoram mesmo para mudar.

Suspirando

-Aiai...
-Tá suspirando por quem?
-Por ninguém.
-Ah, então foi um suspiro perdido.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

De Edgar para Anna



Anna, meu bem. Aqui o frio parece que vai congelar até as pontas dos meus cabelos. Sinto sua falta mais do que sinto do Sol aquecendo minha pele. Pensar em sorvetes e ventiladores é quase um pecado aqui. Te comprei uma manta linda. Xadrez. Talvez ela chegue antes que eu. Mas eu não demoro, prometo.
Chegarei aí em tempo de consertar tudo, até nossa saudade. Chegarei em tempo de o Sol esquentar meu rosto e você meu coração.
Vê se te cuida, garota. Te amo.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

De Anna para Edgar


Tá um calor infernal aqui, Edgar. E a única coisa que me veem em mente é você. Passar calor contigo seria bem melhor. Até porque na sua casa os ventiladores são mais potentes e sua mãe sempre tem sorvete no freezer. Sorvete de flocos. Com calda de chocolate.
Mas, o motivo dessa carta não é a gula ou o calor que sinto. É saudade. Quanto tempo você está fora? Uma semana? Parece uma vida, cara. Dá para voltar logo, sim? Preciso de ti. A torneira ainda esta pingando e a porta rangendo. Preciso de ti. A janela emperrou e não tem santo que abra.
Preciso de ti, Edgar. Porque te amo, mas não espalha.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Só Valentina

Jogada no sofá, Valentina ouvia cada gota de chuva que se aventurava a bater no teclado. O chimarrão tinha acabado e a eletricidade se fora. Uma fina vela azul era a única fonte de luz da casa. Valentina estava sozinha. Ela e o chimarrão vazio. Ela e a luz da vela. Ela e a chuva de verão. Ela e seus pensamentos mirabolantes. Ela e seu livro de mistérios. Ela e seu sofá aconchegante.
Ora, então, afinal de contas, Valentina não estava sozinha. Estava?